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O Papel da Biodiversidade da Flor do Cardo no Queijo Serra da Estrela DOP
O Papel da Biodiversidade da Flor do Cardo no Queijo Serra da Estrela DOP
A importância de estimar a biodiversidade
do cardo no sentido de preservar e caracterizar um património fruto de um
recurso genético que pode, ser requisitado para valorizar o Queijo Serra da
Estrela, como recurso endógeno ícone de todo um território, na lógica da
tradição de inovar.
Conforme o constante no atual
caderno de especificações, que retrata a sua autenticidade e tradição, a
produção do Queijo Serra da Estrela DOP (QSE), determina a obrigatoriedade do
uso como ingredientes, o leite crú das raças ovinas Serra da Estrela e Churra Mondegueira,
sal e Flor de Cardo (Cynara cardunculus L.),
todos eles, devendo ser, produzidos na área geográfica definida pela DOP. Este
lote de ingredientes tem contribuído significativamente, desde tempos remotos,
para a promoção da saúde e bem-estar dos cidadãos/consumidores e para os
interesses sociais e económicos de um território nas suas mais variadas
vertentes. O CARDOP assume-se como um projeto de cariz
técnico-científico que valoriza os recursos genéticos, paisagísticos, culturais
e humanos, endógenos de todo o território, no sentido de contribuir para a
promoção e valorização de um ícone do mundo rural, o queijo “Serra da Estrela”,
privilegiando uma das suas matérias-primas, a flor do cardo, que contém um
coagulante vegetal imprescindível para a produção deste queijo DOP.
A flor de cardo tem
sido alvo de intensos estudos bioquímicos, desde há trinta anos, liderados pelo
grupo de investigação coordenado pelo Prof. Euclides Pires e desenvolvidos por
um amplo lote de investigadores que tem permitido conhecer a extensão e
multiplicidade das proteases aspárticas existentes na flor do cardo, tendo já
sido descritas um conjunto de 9 cardosinas distribuídas ao longo dos vários
órgãos da flor em função do seu estado de maturação e dos processos
fisiológicos em que estão envolvidas. São hoje conhecidas as especificidades de
atuação destas enzimas proteolíticas sobre as diversas caseínas existentes no
leite que conferem distintos resultados bioquímicos quer em relação à ação de
corte quer à sua velocidade promovendo variabilidade na consistência da matriz
de coagulação e diversidade de sabores e aromas ao longo do processo de
maturação. O queijo Serra da Estrela DOP que se constitui como um exemplo
complexo da biotecnologia do mundo rural tem tido a tradição de inovar, muito
por via do portefólio bioquímico que a flor do cardo revela permitindo a
criação de queijos exclusivos em textura, sabor e aroma.
O cardo que se assume como uma espécie multifuncional representa um
modelo de evolução e domesticação com origens e propósitos muito diversos que
permite hoje termos um extenso património genético com o qual podemos
estabelecer e definir objetivos adequados com a perspetiva de valorização e
adequação às novas tendências e exigências de mercado, reforçando a identidade
desta “7ª maravilha gastronómica” que se traduz numa tipicidade e autenticidade
seculares. Por outro lado, é hoje reconhecidamente uma espécie com um enorme
potencial nutracêutico diversificado, desde a inulina extraída da raiz,
passando por um conjunto de compostos bioativos da folha e capitulo com
potencial antioxidante, anticancerígeno, hepatoprotector, óleos obtidos das
sementes com diversos tipos de vocação alimentar e energética e não menos
importantes as cardosinas das flores. Este é apenas o resumo da efetiva
capacidade de uma espécie nos mais diversos domínios e do interesse que suscita
a avaliação, interpretação e valorização da sua biodiversidade.
O projeto CARDOP acredita que o cardo é dotado de uma excecional diversidade
bioquímica natural que é necessário estimar, quer no sentido da preservação do
seu património genético quer no sentido da sua efetiva avaliação, para podermos
dar algumas respostas aos anseios dos produtores de queijo Serra da Estrela
relativos ao agente coagulante, mas também dotá-los de capacidade que se possa
traduzir em mais-valias para este setor que revela ainda um enorme potencial de
valorização. Numa outra perspetiva estamos a estudar formas de podermos valorizar
o potencial nutracêutico da biomassa do cardo e de efluentes das indústrias
queijeiras como uma forma de podermos ter maior rentabilidade e
sustentabilidade no setor sob ponto de vista económico e ambiental, para além da
preservação e valorização das paisagens e dos ecossistemas.
A primeira fase deste projeto residiu na caracterização da diversidade
morfológica, bioquímica e genética identificada no cardo e na instalação de
cinco campos de recursos genéticos, perfazendo um total de mais de 5.000
plantas de cardo na região de denominação de origem do queijo Serra da Estrela,
com o propósito de promover a biodiversidade a partir de sementes e plantas devidamente
caracterizadas e selecionadas. Hoje possuímos uma diversidade bioquímica estabelecida
cujo potencial temos vindo a avaliar em colaboração com uma seleção de
produtores de queijo Serra da Estrela de molde a que no futuro todo o
território possa vir a usufruir deste conhecimento e do potencial da biodiversidade
que está à disposição da valorização do queijo Serra da Estrela.
Este projeto que inclui instituições de referência na área
técnico-científica, como a Escola Superior Agrária do IPV, Universidade
Católica – Centro Regional das Beiras, UC Biotech, ANCOSE – Associação Nacional
de Produtores de Ovinos Serra da Estrela, Queijaria Casa da Ínsua, Queijaria de
Germil, Queijaria Lameiras e Confraria do Queijo Serra da Estrela, assume-se igualmente
como um projeto de inclusão e coesão social e territorial onde pontificam
também instituições como a APPACDM (Viseu) e o Estabelecimento Prisional do
Campo (Viseu) que têm sido de vital importância para o sucesso do projeto
CARDOP.
Paulo Barracosa
Escola Superior Agrária de Viseu
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