segunda-feira, 9 de dezembro de 2019
quinta-feira, 28 de novembro de 2019
O Cardo como Estrela no Centro
Queria agradecer a oportunidade de estar hoje aqui integrado nesta sessão de divulgação do projeto Lightwood, liderado pelos Professores Jorge Martins e Luísa Martins do Departamento de Madeiras da ESTGV/IPV. Aproveito para felicitá-los, bem como a toda a equipa, pela organização deste seminário e por terem atingido este ponto de maturidade no projeto Lightwood. Agradecer também a todos os presentes, sei que muitos fizeram um enorme esforço para estarem presentes e não vos queria defraudar as expectativas.
Considero este
evento de extrema importância para a concretização
do sucesso da cultura do Cardo na região Centro pelo potencial e perspetiva
de futuro que apresenta, alicerçado numa raiz histórica e cultural, mas com uma
grande capacidade de inovação, para além da identidade para com esta região.
Considero que o
Cardo pode ser um exemplo de marketing
territorial para a região Centro, no sentido em que procura enquadrar e valorizar
recursos endógenos, centros de investigação e empresas através da multiplicidade
de produtos de diversa índole, numa lógica de fileira, que ajudem a promover o
marketing estratégico de uma região, desde a produção agrícola às mais variadas
formas de produção industrial, incluindo o design, gastronomia, saúde e turismo.
O
desafio de resumir dez anos em dez
minutos não será fácil. Já levei o “nosso” cardo às mais variadas
geografias no Mundo mas quero assumir publicamente que esta é a apresentação em
que sinto mais o peso da responsabilidade, porque para além de ser no nosso
território, onde muitas vezes sentimos que “Santos da Casa não Fazem Milagres” é
aqui que também sabemos que não podemos falhar, uma vez que fizemos atrair a
Viseu e ao IPV as mais variadas geografias e interesses. Uma instituição como o
IPV deve centrar-se e focar-se em alavancar a região onde se insere. A região
Centro! Obviamente, sem se restringir a este círculo geográfico. Para isso temos
que conhecer muito bem a região, os seus empreendedores, os decisores, mas
acima de tudo o potencial produtivo e transformador nos mais variados setores
numa perspetiva de fileira. Foi exatamente isso que idealizamos e estamos a
procurar concretizar.
Percebemos há 10
anos atrás que o setor dos laticínios, com particular enfoque no queijo “Serra
da Estrela”, era um das áreas com maior identidade e potencial na região
Centro, e que sob ponto de vista estratégico seria um erro crasso não preservar
e valorizar os seus ingredientes designadamente, o leite de ovelha Serra da Estrela, o Sal e a Flor de
cardo, até numa lógica integrada no Centro e muito em particular a capacidade e o potencial humano.
Gostaria de
recordar que na época, as entidades responsáveis não sabiam sequer identificar
o cardo. Foi exatamente por aí que começamos em procurarmos sensibilizar o
setor para a falta de visão estratégica e pela urgência que a região deveria
ter em promover o cultivo do cardo porque iríamos assistir a uma clara redução
na disponibilidade deste recurso e obviamente da sua qualidade.
Em 2010
candidatamos um projeto PRODER para estudarmos a biodiversidade do Cardo sob
ponto de vista morfológico e bioquímico. Na altura financiaram-nos com um valor
que correspondia ao IVA do montante que
tínhamos inicialmente orçamentado. Esta era a visão estratégica dos decisores
políticos da região. Hoje continuam a não existirem projetos financiados
exclusivamente para o Cardo. Tivemos a coragem de não desistirmos e com o apoio
voluntário dos alunos conseguimos concretizar o projeto que considero um case
study para o mundo.
Em termos da
produção, poucos deram-nos ouvidos, existindo um exemplo que hoje é um caso de
sucesso, a Casa da Ínsua, pela mão do Eng. José Matias e que aceitou que
tivéssemos ido plantar o primeiro campo com recursos genéticos selecionados na
sequência dos resultados preliminares que obtivemos no Projeto CARDOP.
Todas
estas limitações “aguçaram-nos o engenho” em termos de criatividade e
capacidade técnica e científica e juntamos ao projeto uma componente social que
nos tem permitido atingir resultados que de outra forma não teriam sido
possíveis.
Integramos
a APPACDM-Viseu e o Estabelecimento prisional do Campo-Viseu que são hoje
instituições de referência no cardo porque possuem campos de cardo e de onde provêm,
a par da Casa da Ínsua, as melhores flores de cardo que conheço e que são
usadas para os estudos científicos que estão em curso no setor dos Queijos do
Centro.
O cardo (Cynara cardunculus L.), fruto do seu
ciclo vegetativo, é uma das plantas melhor adaptadas para o ambiente
tipicamente mediterrânico e que engloba o cardo selvagem, a alcachofra e o
cardo cultivado.
Este grupo registou
duas linhas de domesticação. Uma no domínio da alcachofra para consumo de
“capítulos” em fresco, ainda fechados e, por outro lado, o cardo cultivado para
produção de grandes volumes de biomassa, essencialmente, para aproveitamento de
sementes e caules.
O projeto que
tenho defendido assenta na obtenção de um património genético que privilegie a
produção de flores de qualidade excecional, daí a necessidade de obtermos um
elevado número de capítulos, mas cujas flores apresentam características
morfológicas e bioquímicas muito específicas, e cuja dimensão e arquitetura da
planta deverão permitir uma elevada produção e uma colheita mecanizada
facilitada. Para além deste objetivo principal, estamos numa fase do projeto
que procuramos valorizar a biomassa da planta como um todo e, por isso, o
projeto Lightwood é de uma importância vital pela dimensão e peso que pode
assumir na valorização de uma porção muito significativa da biomassa total do
cardo.
Nos 30
anos de especialização na área dos recursos genéticos das plantas, confesso-vos
que não conheço outra planta que tenha um potencial tão diverso e sinérgico
como o cardo, onde para além do potencial produtivo acresce uma enorme
capacidade de aclimatação face às perspetivas de alterações climáticas que se
avizinham a curto prazo. Temos hoje um património genético selecionado, por nós
ao longo destes 10 anos, que nos permite perspetivar o futuro de uma forma promissora.
Os diversos ensaios que temos atualmente em curso visam seleção de material
genético, caracterização de índices produtivos, produção de flores com perfis
bioquímicos exclusivos, resposta a distintos níveis de fertilização e avaliação
na emissão de efeito de gases de estufa.
Em termos de
potencial produtivo das diversas formas de biomassa, já atingido por nós, vou
apresentar alguns dados que são absolutamente excecionais e que demonstram o
potencial desta planta. Temos plantas em campo capazes de produzir 60 capítulos,
350 g de flores secas de qualidade excecional, 210 g de sementes, 8900 g de
biomassa seca, das quais 4500 g de caule, 2750 g de inflorescências e 1650 g de
folhas.
Estas plantas em
condições ideais permitiriam obter valores absolutamente excecionais quando
comparados com o que atualmente está estabelecido nas melhores práticas que são
valores totais de biomassa na ordem das 30 ton ha-1. Face a este
potencial há um enorme trabalho a fazer para incrementarmos os índices de
produção nesta cultura. Por outro lado, podemos ter que optar, se assim pretendermos,
tornar o cardo como uma cultura altamente produtiva e rentável ou usar a
cultura num modo de produção sustentável que procure uma maximização da
rentabilização sem descurar o equilíbrio na gestão dos recursos hídricos e
prevenção da erosão solo numa perspetiva de suster o efeito das alterações
climática com particular preponderância nas regiões tipicamente mediterrânicas.
Neste
caso concreto que serve como case study começamos por estudar a biodiversidade
da flor do cardo, mas especificamente relacionada com a valorização na produção
do Queijo Serra da Estrela, DOP. Poderíamos ter estudado DNA, RNA ou proteínas,
mas neste caso optamos por estudar as proteínas por ser menos oneroso, mas
preferencialmente por serem as biomoléculas através das quais mais facilmente
poderíamos estudar os seus efeitos na produção do QSE e assim que nos aceitaram
fomos trabalhar para as queijarias, até mais do que em laboratório.
Não por acaso
foram os melhores que em primeiro lugar nos abriram as suas portas, Casa da
Insua, Germil, São Cosme. Hoje possuímos flores com perfis bioquímicos
específicos e distintos que permitem a obtenção de queijos com distintos
padrões ao nível da textura e aromas para laboração de queijos de qualidade
excecional.
Estima-se
que o Queijo Serra da Estrela, o produto biotecnológico mais complexo que
conheço, gere uma valorização de 20 milhões de euros e uma empregabilidade de
cerca de 3200 famílias dispersos pelo território Serra da Estrela (APQSE) que engloba
uma área de 3119 km2 de quatro distritos (Viseu, Coimbra, Guarda e Castelo Branco) na
região Centro onde assume um papel de relevo na economia da região. O potencial
de produção do QSE assenta atualmente num efetivo inferior a 40.000 ovelhas da raça SE, num total de 80000 pequenos ruminantes, que permitem a obtenção de 4 milhões de litros de leite de ovelha, 800
toneladas de queijo e 400 toneladas de requeijão.
Mas este é um mercado que à escala nacional pode decuplicar
atendendo ao número de queijos DOP cuja regulamentação obriga à utilização de
extrato de cardo, em Portugal que são exemplo Azeitão, Beira Baixa, Évora,
Niza, Serpa para além do Serra da Estrela e ainda a novos mercado potenciais de
outros tipos de queijos que possam vir a incorporar a utilização de cardo no
seu modo de fabrico com uma mais-valia acrescida. A flor de cardo como agente
coagulante tem um enorme potencial de crescimento futuro pelas limitações de
grupos de consumidores no uso de coagulantes de origem animal por questões
religiosas, dieta ou oposição a alimentos geneticamente modificados. Sabemos
hoje que muitas queijarias usam extratos não provenientes diretamente de flores
de cardo, muito embora se apelidem como tal. Para assegurarmos a
autossuficiência há ainda um longo caminho a percorrer que se for bem delineado
pode trazer benefícios a todos, produtores de cardo e produtores de queijo.
No caso da
biomassa o cardo, a zona medular com uma densidade equivalente à do esferovite
(30 kg m-3) sempre foi desvalorizada pela sua falta de resistência,
mas eu sempre acreditei que seria uma das grandes mais-valias do cardo pela sua
excecional leveza que na lógica da estrutura do caule do cardo permite a
obtenção de uma estrutura resistente e leve. Só teremos que replicar esta
estrutura natural para conseguirmos obter estruturas leves e resistentes que
possam ser incluídas em aplicações muito diversas. O caule do cardo apresenta,
em termos médio, uma densidade de 190 kg m-3 o que revela que
plantações que obtenham níveis de produção de 19 ton ha-1 permitem a
obtenção de 100 m3 ha-1. Contudo, numa outra lógica mais
intensiva este valor pode duplicar com alguma facilidade.
À biomassa do cardo pode-se fazer acrescer uma produção de flor na ordem dos 500 kg ha-1 e 1000 kg de semente. Pelo exemplo que já mostrei em termos dos valores atingidos em património genético de plantas desenvolvidas por nós, estas produções podem atingir valores incrivelmente superiores. Por isso estamos atualmente a apostar seriamente na área agronómica, relacionadas com as otimizações de instalação e colheita, fertilização, fixação de carbono e emissão de gases com efeito de estufa.
Em relação às folhas acreditamos que a breve trecho poderemos ter novidades sobre potenciais aplicações para além de se usar no uso culinário, gastronomia, nutrição e promoção de saúde
Em jeito de conclusão, apenas referir
que para fecharmos todo este ciclo podemos usar a biomassa na valorização da
produção do cogumelo do Cardo (Pleurotus
eryngii) com qualidade gastronómicas e nutritivas de grande valia.
Mostrar o cardo e perder a oportunidade de mostrar um queijo DOP Português laborado com Cardo.
Os meus "mestres", o Prof. Euclides Pires e,...
...João Madanelo
Esta vista
integrada e sinérgica que tenho hoje desta cultura permitiu-me escrever um
artigo de revisão que será publicado na próxima semana na revista Chemistry
& Biodiversity e que permite termos uma análise mais científica e integrada
de todo este potencial que estamos a falar especialmente ao nível dos compostos
bioactivos dos quais hoje não me irei debruçar mas que abre um sem número
oportunidades, saibamos colocar todo este potencial em mãos que o saibam
valorizar.
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