domingo, 9 de novembro de 2014

Um Tributo à Leontina e...às árvores da minha cidade!

 
 









Árvores Ornamentais do Património Florístico de Viseu,

Lançamento no Museu Grão Vasco, 08.11.2014

 

É com uma enorme honra e ao mesmo tempo com sentido de responsabilidade que aceitei ser o “padrinho” desta obra, que a amiga Leontina (permita-me tratá-la assim) acaba de lançar, ainda mais num palco destes como o Museu Grão Vasco. Acredito que a escolha do Museu Grão Vasco, na sala do naturalismo, foi lugar mais apropriado para este evento. A coincidência da simultaneidade com uma exposição de relevo nacional dedicada ao Naturalismo da coleção Millenium, que convido todos a visitar, já é uma dádiva dos deuses. Com isto dou os parabéns às Edições Esgotadas (Drª. Teresa Adão) por terem acreditado neste desafio e ao Museu Grão Vasco (Dr. Agostinho Ribeiro e Dr.ª Paula Cardoso) por terem acolhido sem reservas esta iniciativa.

A razão desta “comenda”, encontro-a no respeito e admiração comuns que temos pelas árvores à qual acresce a admiração que tenho pela autora.

Sobre a autora apenas dizer, que desde que a conheço sempre se pautou por uma competência extrema, um rigor científico de excelência, uma enorme sensibilidade e uma lealdade a toda a prova. Mas muitos dos que aqui estão presentes conhecem muito melhor a Leontina do que eu próprio. Uma coisa é certa, a Leontina não é apenas mais uma árvore na floresta, mas é uma árvore que ajuda a fazer a floresta. Não pela opulência ou ostentação, mas pela simplicidade e autenticidade, epítetos específicos que associados ao género são extraordinariamente raros nos tempos que correm.

No seu percurso profissional estudou os solos, as pastagens e forragens nas suas mais diversas vertentes e culminou nas árvores. Este é o percurso integrador e vertical que deve ser incentivado na sociedade e que ajuda a criar pontes e a estabelecer uniões onde por vezes apenas vemos desarmonia, traição inveja, onde a Olaia (Cercis siliquatrum L.) com todo o seu simbolismo religioso procura apontar. Mas desde sempre foi olhando para as árvores, com curiosidade e admiração, admiração de respeito, mas também admiração de tentar procurar explicações para saber… porque este ano a Lagestroemia quase não floriu, ou porque simplesmente caem as folhas. Enfim! admirações por vezes tão simples que passam despercebidas ao comum dos mortais e que são aquelas que encerram maiores dificuldades na sua explicação.

Explicar as coisas simples de uma forma que as crianças entendam e que fiquem com um brilhozinho nos olhos é um dos papéis mais difíceis que cada um de nós pode desempenhar e são raros os comunicadores que o conseguem fazer.

Cometo uma inconfidência, ao referir que muito recentemente tivemos um almoço extraordinariamente agradável, pautado pela sensibilidade, pelos ritmos e pausas da Leontina, onde fui um “escutador” atento (…um papel que desempenho raramente, mas que estou a aprender) procurando buscar pontos onde cerzir algumas linhas para enquadrar a obra e a inspiração da autora.

Esta é uma obra que é um presente, nos vários sentidos da palavra, mas acredito que irá perpetuar e lançar projetos de futuro na cidade, assim os atores o queiram, no que respeita à valorização do património arbóreo, no ambiente, na ciência, na arte e na cultura que podem ter repercussões económicas, hoje tão em voga. Mas acima de tudo que seja uma obra que desperte a sensibilidade e o respeito por estes elementos vivos que gravam cada momento num registo dendrológico, como que de uma memória se tratasse, recordando que árvores como a Gingko (Ginkgo biloba L.) são guardiãs deste planeta desde tempos imemoriais.

As árvores não têm nervos…mas têm nervuras que são linhas de vida, que nutrem formas e definem limites e que por isso marcam sentimentos, um pouco ao jeito das linhas escritas alimentadas pela “seiva” da inspiração da autora que fez sair do prelo esta obra. Acredito que irá ajudar a cumprir o provérbio Chinês que diz “se queremos dez anos de prosperidade cultivemos árvores, se quisermos cem anos cultivemos as pessoas”…Acrescento, …se cultivarmos as pessoas acerca das árvores acredito que daremos o sinal que queremos a eternidade.

A idade das senhoras não se pergunta, mas o seu berço explica muito do arreganho, da tenacidade e da inspiração. Quem nasce no Souto, estava predestinada a escrever um livro sobre árvores, quiçá majestosas e sobre os encontros que temos com elas (Meetings with Remarkable Trees – Thomas Pakenham). Os castanheiros que preencheram a sua memória paisagística, como “árvore titânica que trava a erosão da Beira e que confere aos soutos uma mancha cromática de múltiplos tintos outonais” são uma dessas árvores majestosas que tutelou e continuou a acalentar até na vida profissional com a criação da coleção de castanheiros da Estação Agrária. Mas esta é também uma daquelas árvores que une as gerações e que Aquilino Ribeiro, tão bem mostra essa capacidade “castanheiro leva cem anos a nascer, cem anos a chegar ao estado adulto, cem anos a crescer, cem anos no seu ser e cem anos a morrer. Que importa? os homens de boa vontade perpetuam-se nos filhos e vindouros”.

A autora faz breves referências à sua obra considerando eu que a leitura de Aquilino Ribeiro é um óptimo complemento à obra hoje aqui apresentada. Ao referenciar e citar Aquilino Ribeiro, importa dizer que foi o mestre que mais me ensinou e continua ensinar sobre as árvores e as paisagens e que me tem inspirado nas curtas e singelas deambulações que tenho realizado por esses domínios. A geografia sentimental é uma das obras que mais admiro. E por falar em geografia aproveito para lançar um repto de se fazer uma exposição sobre um outro enorme mestre Orlando Ribeiro, o maior geógrafo Português que tem raízes em Viseu e que julgo que seria justo não apenas como tributo, mas como ato de cultura e de perspectivar o futuro de Viseu enquanto representante de uma região.

Nas suas memórias de infância, a autora recorda-se dos Plátanos da sua aldeia que os viu crescer e que quando regressa a casa os pretende abraçar. Só que a tal falta de sensibilidade, muitas vezes de origem politica, os derrubou ficando um vazio no largo da aldeia e na sua memória que já não será preenchido. Há ao invés, pessoas que plantam árvores aquando do nascimento dos filhos. Imaginem só a relação de afectividade que se cria com essas árvores. Este é na minha opinião um dos gestos mais bonitos que podemos ter para com uma árvore e para com uma família. Aquilino dizia “Quando chego, o meu primeiro olhar é para a sua ramagem, o especioso. Um olhar que lhes fala: —Bons dias, bons dias! Bonitas! Depois, outro para os fustes: — O que vocês cresceram! Daqui a pouco já as não posso abraçar a expandidos braços. Verdade, mais uns anos e bem de junto as não abraçarei. Receberão os abraços dos meus filhos…”

Nesta sala do Naturalismo, um dos ciclos de referência na pintura no qual o campo e as paisagens detinham superioridade moral em relação à cidade, encontrei várias referências da minha memória, como a Paisagem Algarvia de Laranjeiras (Falcão Trigoso), o claustro da Sé Velha (António Carneiro), a ovelha (Tomás de Anunciação). Nesta cidade queremos ter um exemplo de cidade jardim, na qual o ambiente rural possa estar presente a diversos níveis, e para isso temos que ser inteligentes e audazes na forma como podemos interpretar esta visão e este querer. Mas isso ficará para palestras futuras…

(Com frequência o naturalismo, pode ser confundido com o naturismo, mas no caso acredito que a obra pode vir a ter um papel de relevo…  NoTurismo da cidade de Viseu)

 

Espero que este momento e esta oportunidade concedida possa permitir no futuro que a Escola Superior Agrária de Viseu, tal como a Estação Agrária de Viseu, que são escola de culturas na verdadeira acepção da palavra possam saber aproveitar a oportunidade para aliarem-se à cultura da Arte e da Escrita em colaboração com instituições de referência na cidade e na região como o caso do Museu Grão Vasco.


Como escreveu Booker T. Washington "Ninguém pode prosperar até que aprenda que é tão digno lavrar um campo como escrever um poema". Tenho a certeza absoluta que nos cabe a nós provarmos a relação dessa dignidade, também em parceria com outras instituições de ensino superior da região e com todas aquelas ligadas direta ou indiretamente com a agricultura. 

A sensibilidade cultiva-se muito pela leitura, pelo olhar mais do que pelo ver e pelo pormenor. A obra agora deixa de ser da autora e passa a ser de cada um de nós que a adquiriu e caberá a cada um saber encontrar as suas interpretações, as suas memórias, tendo cada folha deste livro o papel de uma semente que depois de germinar passará a contar a sua história. Não tenho o dom da Leontina de escrever livros sobre tantas árvores, resta-me em jeito de testemunho deixar um livro em branco e uma folha de uma das árvores que mais admira pelas referências que faz no livro onde poderá expressar toda a sua sensibilidade. O Liriondendron tulipifera, arvore-do-ponto nos tempos de Coimbra que quando entrava em floração era sinal que nos tínhamos que agarrar aos livros. Agora vamo-nos agarrar a este.

Muitos parabéns!

 

Paulo Barracosa

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