Aplicação do Regulamento (CE) Nº1332/2008 do Parlamento Europeu e do
Conselho de 16 de dezembro de 2008, à produção do Queijo Serra da Estrela DOP e
outros Queijos Portugueses que utilizam flor de Cardo enquanto ingrediente.
O
REGULAMENTO (CE) Nº 1107/96 DA COMISSÃO de 12 de Junho de 1996 relativo ao registo
das indicações geográficas e denominações de origem nos termos do procedimento
previsto no artigo 17º do Regulamento (CEE)Nº
2081/92 do Conselho estabelece.
Conforme o constante no atual
Caderno de Especificações, que retrata a sua autenticidade e tradição, a produção
do Queijo Serra da Estrela DOP (QSE), determina a obrigatoriedade do uso como
ingredientes, o leite das raças ovinas Serra da Estrela e Mondegueira crú, sal
e Flor de Cardo (Cynara cardunculus L.), todos eles,
devendo ser, produzidos na área geográfica definida pela DOP. Este lote de
ingredientes têm contribuído significativamente, desde tempos remotos, para a
promoção da saúde e bem-estar dos cidadãos/consumidores e para os interesses sociais
e económicos de um território nas suas mais variadas vertentes.
A
aplicação do Regulamento (CE) Nº1332/2008 conforme disposto no ponto (3) dos
considerando visa a harmonização das disposições legais relativamente à
utilização de enzimas nos géneros alimentícios.
Uma das primeiras questões a
colocar é a de como deve ser definida a Flor de Cardo, considerando-a uma
enzima alimentar ou ingrediente, esta última classificação atribuída e
reconhecida por diploma legal Europeu (Caderno de Especificações). Assim sendo,
o Artigo 21º do Regulamento (CE) Nº1332/2008 considera na sua alínea a) que «Entende-se
por “ingrediente” qualquer substância, incluindo os aditivos e as enzimas
utilizadas no fabrico ou preparação de um género alimentício e ainda presente
no produto acabado, mesmo que de forma alterada».
No
Artigo 3º, ponto 2, alínea a) considera-se “Enzima alimentar”, «um produto
obtido de vegetais, animais, microorganismos ou respectivos produtos, incluindo
produtos obtidos por um processo de fermentação que utiliza microorganismos».
Na alínea b) «Preparação de enzima alimentar”, uma formulação que consiste em
uma ou mais enzimas alimentares em que substâncias tais como aditivos
alimentares e/ou outros ingredientes alimentares são incorporadas para facilitar
a armazenagem, a venda, a normalização, a diluição ou a dissolução».
É nosso convicto entendimento
que a Flor de Cardo, insere-se claramente na definição de “ingrediente”, reclamando para além da função coagulante um
conjunto de outras valências identitárias para a obtenção de Queijos Artesanais
que se pautam pela tradição e tipicidade valorizadas pela sua exclusividade que
nunca podem ser replicados pela simples adição de enzimas alimentares de forma
individualizada e estereotipada. Consideramos pelo conhecimento científico
adquirido por este grupo que os diversos padrões bioquímicos já hoje tipificados
na Flor de Cardo em interação com a diversidade de compostos fenólicos
identificados, com propriedades antioxidantes, permitem obter um conjunto de
valorizações nutracêuticas e características organolépticas exclusivas claramente
promotores de saúde e bem-estar. Todo este conhecimento científico é fruto de
uma investigação translacional aplicada com estruturas e atores do sector na
região que envolvem Instituições de Ensino Superior e Centros de Investigação
(Escola Superior Agrária de Viseu/IPV, Universidade Católica-Centro Regional
das Beiras, UC Biotech), produtores, associações (ANCOSE), autarquias, Direcção
Regional de Agricultura do Centro, entre outros. Deste modo, poderemos reforçar
que o elemento Flor de Cardo seja considerado um ingrediente e que
concomitantemente será excessivamente redutor considerá-lo como uma mera
“enzima alimentar” a constar na lista que este Regulamento pretende
estabelecer. A hipótese de criação da formulação de um extracto na “Preparação
de enzima alimentar”, para além dos problemas associadas à estabilidade das
combinações enzimáticas que comprometem a identidade do alimento a produzir,
não cumprirá na íntegra a multiplicidade dos atributos específicos da Flor do
Cardo.
O
ponto (6) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE) Nº1332/2008 refere que
«A utilização das enzimas alimentares deve ser segura, deve decorrer de uma
necessidade tecnológica e não deve induzir o consumidor em erro».
Com base neste pressuposto, o
trabalho científico desenvolvido numa lógica de perceber algumas das limitações
e fragilidades da produção e buscando soluções, identificamos as Flores de
Cardo usadas pelos produtores, caracterizamos e selecionamos material vegetal, atribuindo-lhe
o epíteto de ingrediente de crucial importância para a valorização do QSE (DOP)
como Alimento Histórico. O que receamos com uma abusiva interpretação e
implementação deste Regulamento é que o QSE passe por um processo de
experimentalismo e adaptação com a aplicação de extractos e formulações já
desenvolvidas para outros alimentos que não correspondam aos critérios de
exigência dos produtores e consumidores e deste modo defraudarmos as suas
expectativas aliada com toda uma tradição, tipicidade e autenticidade seculares
resultantes de práticas leais e constantes que têm fidelizado produtores e
consumidores, tornando-o numa das 7 maravilhas da nossa gastronomia.
É
ainda referido no ponto (6) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE)
Nº1332/2008 que «…A aprovação de enzimas alimentares deverá também tomar em
consideração outros factores relevantes, em relação à matéria em apreço, que
inclui factores sociais, económicos, tradicionais, éticos e ambientais, o princípio
da precaução e exequibilidade dos controlos».
Neste sentido, mesmo tomando
a hipótese da Flor de Cardo vir a ser considerada uma “enzima alimentar”
existem um conjunto de factores que podem reforçar a manutenção da sua
utilização na forma como tem vindo a ser usada ou mediante um processamento
simples que vise incrementar as questões relativas à exequibilidade dos
controlos. A investigação desenvolvida desde 2011 tem procurado assegurar que
os produtores tenham autonomia na produção de Flor de Cardo devidamente adaptada
ao modelo de QSE criado por cada produtor individualmente que permite uma
padronização da qualidade ao nível do produtor, mas em simultâneo respeitar a
diversidade de toda uma vasta região. O incentivo para o estabelecimento de
campo de cardo nos produtores da região tem sido uma prática, dos quais existem
já hoje vários exemplos de sucesso que podem ser testemunhados pela própria
produção (ANCOSE, Casa da Insua, Queijaria de Germil,…). Estes campos de Cardo
permitem que os produtores tenham autonomia no processo de fabrico, produzindo
e controlando todos os ingredientes com vantagens económicas e de garantia da
qualidade deste produto, considerado de uma complexidade extrema pela
multiplicidade de domínios envolvidos. Ao mesmo tempo contribuem para a
preservação e valorização da paisagem e do ambiente, visto tratar-se de uma
cultura com reduzidas necessidades hídricas, elevados níveis de resistência ao
stresse e significativa produção de biomassa que poderá ainda ter aplicação, na
produção de forragem para os animais, produção de compostos bioactivos com
aplicações diversas nas áreas da saúde que actualmente também estamos a
desenvolver em parceria com Instituições internacionais e nacionais de
referência nesta área do conhecimento. As questões relativas à valorização
estética desta cultura, com inúmeros exemplos em jardins botânicos europeus e
complexos de hotelaria de luxo deverão ser igualmente consideradas como uma
mais valia para o delineamento de uma futura rota do QSE.
O
ponto (13) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE) Nº1332/2008 refere
que «deverá assegurar-se que a transição para uma lista comunitária de enzimas
se processe sem suscitar problemas e não perturbe o mercado existente das
enzimas alimentares».
Neste particular, poderemos
interpretar que a imposição desta lista comunitária não só não deverá perturbar
o mercado das enzimas alimentares como também não deverá perturbar um sector
frágil mas vital como o da produção do QSE, que desempenha um papel de crucial
importância para a manutenção e revitalização dos territórios de baixa
densidade no interior, assentes na valorização das paisagens, das suas gentes,
da cultura, das tradições que proporcionem retorno económico e social, baseados
na qualidade de produção e no respeito ético e ambiental.
No
ponto (19) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE) Nº1332/2008 refere que
“As enzimas alimentares deverão ser mantidas sob observação permanente e ser
novamente avaliadas sempre que necessário, tendo em conta as variações das
condições de utilização e quaisquer novos dados científicos”.
Esta monitorização tem sido
realizada com particular ênfase nos últimos anos na tentativa de melhor
caracterizar e creditar o ingrediente Flor de Cardo, desde a plantação e
manutenção dos campos de recursos genéticos no cardo, do método ideal de
recolha da flor, dos procedimentos correctos de secagem, de ensaios
laboratoriais de caracterização da atividade proteolítica e antioxidante e
ensaios em queijaria para confirmação e adequação da prática laboratorial com a
produtiva na queijaria de cada produtor. Este foi o objectivo ambicioso para a
candidatura de um projeto em 2009, no âmbito do Programa PRODER com a
designação de Conservação e Valorização de Recursos Genéticos de Cynara cardunculus L.. O projeto foi
financiado em 27% do orçamentado, num total de 17.344 Eur, sendo referido que
apenas seria elegível a plantação e manutenção do campo de cardo. Esta foi uma
visão extraordinariamente redutora, que obrigou a que uma parte significativa
dos estudos nos quais acreditávamos tivesse que ser suportada inclusivamente
pelos próprios investigadores e instituições. O término do projeto foi
antecipado para o próximo 31 de março e brevemente iremos fazer uma
apresentação pública envolvendo todos os parceiros dos resultados obtidos e das
perspectivas de futuro. No âmbito deste projeto que apelidamos CARDOP para
reforçarmos a importância de criarmos sinergia entre a Flor de Cardo que
utilizamos e o Queijo Serra da Estrela que produzimos na região DOP, foram
publicados diversos estudos sobre caracterização da diversidade morfológica de
plantas de cardo em diversos campos de recursos genéticos instalados com as
mais diversas vocações, de produção de biomassa, produção de flor e produção de
semente. Foram ainda apresentados estudos de compostos com propriedades
funcionais em flor de cardo e estudos de diferentes métodos de secagem. Estudos
relativos à caracterização da diversidade bioquímica nas diversas plantas de
cardo selecionadas neste estudo. E por último estudos de ensaios de coagulação
em laboratório e em diversas unidades produtivas de Queijo Serra da Estrela,
representativas das diversas sub-regiões que têm colaborado com este projeto,
designadamente a ANCOSE, Queijaria da Casa da Insua (Visabeira), Queijaria de
Germil (Penalva do Catselo), Queijaria dos Lameiras (Oliveira do Hospital) e
Queijaria António Lopes (Fornos de Algodres). Foram ainda realizados um
conjunto de painéis de prova, no âmbito do projeto, para caracterizarmos e
avaliarmos sensorialmente e organolepticamente a influência das Flores de cardo
selecionadas na produção do QSE.
O
ponto (22) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE) Nº1332/2008 refere que
«A fim de desenvolver e atualizar a legislação comunitária relativa às enzimas
alimentares de forma eficaz e proporcionada, é necessário recolher dados,
partilhar informações e coordenar as tarefas desenvolvidas pelos
Estados-Membros. Para esse efeito, pode revelar-se útil realizar estudos sobre
questões específicas, tendo em vista a facilitar o processo de tomada de
decisões. É oportuno que a Comunidade financie esses estudos no âmbito do seu
processo orçamental.»
Com o objetivo de respondermos
à necessidade de um enquadramento no presente Regulamento, e por tudo o que foi
referido anteriormente, ainda que de forma sumária, consideramos de extrema
importância que se possa encontrar alguma excepcionalidade para a Flor de
Cardo, num período transitório de 3-5 anos e que agora devidamente financiado
possamos com os parceiros e agentes envolvidos neste processo desde inicio
definir e especificar as soluções para mantendo toda a tradição, cultura e
qualidade impares associadas ao QSE cumprirmos todas as exigência de produção,
caracterização, estabilidade bioquímica, controlo e higienização da Flor de
Cardo. Poder-se-á dizer que hoje, poderíamos ter feito mais, mas julgamos que
uma parte da responsabilidade cabe ao Estado enquanto detentor da DOP - QSE em
defender todo este património, que tal como o conhecemos, foi considerado pelos
consumidores como uma das 7 maravilhas gastronómicas de Portugal. Cabe-nos a
nós não defraudarmos as expectativas dos consumidores e ajudarmos a que este
possa ser ainda mais um produto diferenciador e valorizado na sua identidade
mas também na sua diversidade e artesanalidade. Propomo-nos candidatarmos no
novo quadro comunitário à criação de um centro tecnológico que permita
transferir e aplicar todo o conhecimento científico granjeado, num conceito
inovador como forma de garantir todos os padrões de exigência para que a Flor
de Cardo continue a ser usada como um dos ingredientes cruciais para a criação
do QSE de excelência.
Este constitui um documento sumário que reúne diversas sensibilidades
criado por um conjunto de agentes e actores diretamente relacionados com a
fileira ovina e do Queijo Serra da Estrela que envolvem a ANCOSE, os Produtores
individuais, autarquias, Instituições de Ensino Superior de referência na
região (Escola Superior Agrária de Viseu e Universidade Católica Portuguesa-
Centro Regional das Beiras), Escolas Secundárias e Institutos de Formação
Profissional, entre outras. O documento resulta da interpretação e vontades
assumidas por todos os agentes envolvidos, baseando-se nas conclusões da
investigação aplicada desenvolvida ao longo destes anos e perspectivando
soluções a curto prazo para cumprimento integral do Regulamento em análise. É
reconhecido a necessidade de existir uma comunhão efectiva de interesse e um
compromisso assumido entre o Estado enquanto detentor da DOP do Queijo Serra da
Estrela e os agentes que têm de forma singular feito este trajeto antevendo de
forma inteligente que esta questão poderia ser levantada, embora não tendo
colhido por parte do poder central o devido reconhecimento e apoio. Essa opção,
não nos demoveu de prosseguirmos naquilo que acreditávamos apenas o tivemos que
fazer de forma mais lenta e com menos recursos, mas os resultados obtidos falam
por si e acreditamos que agora com o apoio devido poderemos resolver a breve
trecho mais esta questão, a contendo de todos.
A biodiversidade do cardo, a tipicidade das pastagens e paisagens, a
excelência das raças autóctones de ovinos “Serra da Estrela” e a preservação e
valorização do saber empírico dos pastores e das queijeiras cujas mãos moldam
as massas, são a marca do Queijo Serra da Estrela. Neste tempo de inovação, na
qual acreditamos, julgamos que é crucial perpetuar saberes, recriar tradições e
recuperar “credos” que se estão a esvaziar dos territórios, destes nossos
territórios, de essência natura e potencial “biotecnológico”. Um dos objetivos
da divulgação deste projeto prende-se com uma estratégia de unir esforços em
prol de um produto de referência e de uma região, numa lógica de criarmos valor
com o território do qual este ícone é uma referência. Não deixemos que uns
quaisquer queiram destruir um património e um legado com dois mil anos de
história com justificações exclusivamente economicistas. Para perspectivarem o
nosso futuro tem que conhecer muito bem a nossa história.
No Queijo Serra da Estrela sempre tivemos a
Tradição de Inovar…
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