quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

No Queijo Serra da Estrela sempre tivemos a tradição de Inovar...e Agora...

Aplicação do Regulamento (CE) Nº1332/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2008, à produção do Queijo Serra da Estrela DOP e outros Queijos Portugueses que utilizam flor de Cardo enquanto ingrediente.


O REGULAMENTO (CE) Nº 1107/96 DA COMISSÃO de 12 de Junho de 1996 relativo ao registo das indicações geográficas e denominações de origem nos termos do procedimento previsto no artigo 17º do Regulamento (CEE)Nº  2081/92 do Conselho estabelece.

Conforme o constante no atual Caderno de Especificações, que retrata a sua autenticidade e tradição, a produção do Queijo Serra da Estrela DOP (QSE), determina a obrigatoriedade do uso como ingredientes, o leite das raças ovinas Serra da Estrela e Mondegueira crú, sal e Flor de Cardo (Cynara cardunculus L.), todos eles, devendo ser, produzidos na área geográfica definida pela DOP. Este lote de ingredientes têm contribuído significativamente, desde tempos remotos, para a promoção da saúde e bem-estar dos cidadãos/consumidores e para os interesses sociais e económicos de um território nas suas mais variadas vertentes.

A aplicação do Regulamento (CE) Nº1332/2008 conforme disposto no ponto (3) dos considerando visa a harmonização das disposições legais relativamente à utilização de enzimas nos géneros alimentícios.

Uma das primeiras questões a colocar é a de como deve ser definida a Flor de Cardo, considerando-a uma enzima alimentar ou ingrediente, esta última classificação atribuída e reconhecida por diploma legal Europeu (Caderno de Especificações). Assim sendo, o Artigo 21º do Regulamento (CE) Nº1332/2008 considera na sua alínea a) que «Entende-se por “ingrediente” qualquer substância, incluindo os aditivos e as enzimas utilizadas no fabrico ou preparação de um género alimentício e ainda presente no produto acabado, mesmo que de forma alterada».

No Artigo 3º, ponto 2, alínea a) considera-se “Enzima alimentar”, «um produto obtido de vegetais, animais, microorganismos ou respectivos produtos, incluindo produtos obtidos por um processo de fermentação que utiliza microorganismos». Na alínea b) «Preparação de enzima alimentar”, uma formulação que consiste em uma ou mais enzimas alimentares em que substâncias tais como aditivos alimentares e/ou outros ingredientes alimentares são incorporadas para facilitar a armazenagem, a venda, a normalização, a diluição ou a dissolução».

É nosso convicto entendimento que a Flor de Cardo, insere-se claramente na definição de “ingrediente”, reclamando para além da função coagulante um conjunto de outras valências identitárias para a obtenção de Queijos Artesanais que se pautam pela tradição e tipicidade valorizadas pela sua exclusividade que nunca podem ser replicados pela simples adição de enzimas alimentares de forma individualizada e estereotipada. Consideramos pelo conhecimento científico adquirido por este grupo que os diversos padrões bioquímicos já hoje tipificados na Flor de Cardo em interação com a diversidade de compostos fenólicos identificados, com propriedades antioxidantes, permitem obter um conjunto de valorizações nutracêuticas e características organolépticas exclusivas claramente promotores de saúde e bem-estar. Todo este conhecimento científico é fruto de uma investigação translacional aplicada com estruturas e atores do sector na região que envolvem Instituições de Ensino Superior e Centros de Investigação (Escola Superior Agrária de Viseu/IPV, Universidade Católica-Centro Regional das Beiras, UC Biotech), produtores, associações (ANCOSE), autarquias, Direcção Regional de Agricultura do Centro, entre outros. Deste modo, poderemos reforçar que o elemento Flor de Cardo seja considerado um ingrediente e que concomitantemente será excessivamente redutor considerá-lo como uma mera “enzima alimentar” a constar na lista que este Regulamento pretende estabelecer. A hipótese de criação da formulação de um extracto na “Preparação de enzima alimentar”, para além dos problemas associadas à estabilidade das combinações enzimáticas que comprometem a identidade do alimento a produzir, não cumprirá na íntegra a multiplicidade dos atributos específicos da Flor do Cardo.

O ponto (6) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE) Nº1332/2008 refere que «A utilização das enzimas alimentares deve ser segura, deve decorrer de uma necessidade tecnológica e não deve induzir o consumidor em erro».

Com base neste pressuposto, o trabalho científico desenvolvido numa lógica de perceber algumas das limitações e fragilidades da produção e buscando soluções, identificamos as Flores de Cardo usadas pelos produtores, caracterizamos e selecionamos material vegetal, atribuindo-lhe o epíteto de ingrediente de crucial importância para a valorização do QSE (DOP) como Alimento Histórico. O que receamos com uma abusiva interpretação e implementação deste Regulamento é que o QSE passe por um processo de experimentalismo e adaptação com a aplicação de extractos e formulações já desenvolvidas para outros alimentos que não correspondam aos critérios de exigência dos produtores e consumidores e deste modo defraudarmos as suas expectativas aliada com toda uma tradição, tipicidade e autenticidade seculares resultantes de práticas leais e constantes que têm fidelizado produtores e consumidores, tornando-o numa das 7 maravilhas da nossa gastronomia.

É ainda referido no ponto (6) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE) Nº1332/2008 que «…A aprovação de enzimas alimentares deverá também tomar em consideração outros factores relevantes, em relação à matéria em apreço, que inclui factores sociais, económicos, tradicionais, éticos e ambientais, o princípio da precaução e exequibilidade dos controlos».

Neste sentido, mesmo tomando a hipótese da Flor de Cardo vir a ser considerada uma “enzima alimentar” existem um conjunto de factores que podem reforçar a manutenção da sua utilização na forma como tem vindo a ser usada ou mediante um processamento simples que vise incrementar as questões relativas à exequibilidade dos controlos. A investigação desenvolvida desde 2011 tem procurado assegurar que os produtores tenham autonomia na produção de Flor de Cardo devidamente adaptada ao modelo de QSE criado por cada produtor individualmente que permite uma padronização da qualidade ao nível do produtor, mas em simultâneo respeitar a diversidade de toda uma vasta região. O incentivo para o estabelecimento de campo de cardo nos produtores da região tem sido uma prática, dos quais existem já hoje vários exemplos de sucesso que podem ser testemunhados pela própria produção (ANCOSE, Casa da Insua, Queijaria de Germil,…). Estes campos de Cardo permitem que os produtores tenham autonomia no processo de fabrico, produzindo e controlando todos os ingredientes com vantagens económicas e de garantia da qualidade deste produto, considerado de uma complexidade extrema pela multiplicidade de domínios envolvidos. Ao mesmo tempo contribuem para a preservação e valorização da paisagem e do ambiente, visto tratar-se de uma cultura com reduzidas necessidades hídricas, elevados níveis de resistência ao stresse e significativa produção de biomassa que poderá ainda ter aplicação, na produção de forragem para os animais, produção de compostos bioactivos com aplicações diversas nas áreas da saúde que actualmente também estamos a desenvolver em parceria com Instituições internacionais e nacionais de referência nesta área do conhecimento. As questões relativas à valorização estética desta cultura, com inúmeros exemplos em jardins botânicos europeus e complexos de hotelaria de luxo deverão ser igualmente consideradas como uma mais valia para o delineamento de uma futura rota do QSE.

O ponto (13) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE) Nº1332/2008 refere que «deverá assegurar-se que a transição para uma lista comunitária de enzimas se processe sem suscitar problemas e não perturbe o mercado existente das enzimas alimentares».

Neste particular, poderemos interpretar que a imposição desta lista comunitária não só não deverá perturbar o mercado das enzimas alimentares como também não deverá perturbar um sector frágil mas vital como o da produção do QSE, que desempenha um papel de crucial importância para a manutenção e revitalização dos territórios de baixa densidade no interior, assentes na valorização das paisagens, das suas gentes, da cultura, das tradições que proporcionem retorno económico e social, baseados na qualidade de produção e no respeito ético e ambiental.

No ponto (19) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE) Nº1332/2008 refere que “As enzimas alimentares deverão ser mantidas sob observação permanente e ser novamente avaliadas sempre que necessário, tendo em conta as variações das condições de utilização e quaisquer novos dados científicos”.

Esta monitorização tem sido realizada com particular ênfase nos últimos anos na tentativa de melhor caracterizar e creditar o ingrediente Flor de Cardo, desde a plantação e manutenção dos campos de recursos genéticos no cardo, do método ideal de recolha da flor, dos procedimentos correctos de secagem, de ensaios laboratoriais de caracterização da atividade proteolítica e antioxidante e ensaios em queijaria para confirmação e adequação da prática laboratorial com a produtiva na queijaria de cada produtor. Este foi o objectivo ambicioso para a candidatura de um projeto em 2009, no âmbito do Programa PRODER com a designação de Conservação e Valorização de Recursos Genéticos de Cynara cardunculus L.. O projeto foi financiado em 27% do orçamentado, num total de 17.344 Eur, sendo referido que apenas seria elegível a plantação e manutenção do campo de cardo. Esta foi uma visão extraordinariamente redutora, que obrigou a que uma parte significativa dos estudos nos quais acreditávamos tivesse que ser suportada inclusivamente pelos próprios investigadores e instituições. O término do projeto foi antecipado para o próximo 31 de março e brevemente iremos fazer uma apresentação pública envolvendo todos os parceiros dos resultados obtidos e das perspectivas de futuro. No âmbito deste projeto que apelidamos CARDOP para reforçarmos a importância de criarmos sinergia entre a Flor de Cardo que utilizamos e o Queijo Serra da Estrela que produzimos na região DOP, foram publicados diversos estudos sobre caracterização da diversidade morfológica de plantas de cardo em diversos campos de recursos genéticos instalados com as mais diversas vocações, de produção de biomassa, produção de flor e produção de semente. Foram ainda apresentados estudos de compostos com propriedades funcionais em flor de cardo e estudos de diferentes métodos de secagem. Estudos relativos à caracterização da diversidade bioquímica nas diversas plantas de cardo selecionadas neste estudo. E por último estudos de ensaios de coagulação em laboratório e em diversas unidades produtivas de Queijo Serra da Estrela, representativas das diversas sub-regiões que têm colaborado com este projeto, designadamente a ANCOSE, Queijaria da Casa da Insua (Visabeira), Queijaria de Germil (Penalva do Catselo), Queijaria dos Lameiras (Oliveira do Hospital) e Queijaria António Lopes (Fornos de Algodres). Foram ainda realizados um conjunto de painéis de prova, no âmbito do projeto, para caracterizarmos e avaliarmos sensorialmente e organolepticamente a influência das Flores de cardo selecionadas na produção do QSE.

O ponto (22) dos considerandos relativo ao Regulamento (CE) Nº1332/2008 refere que «A fim de desenvolver e atualizar a legislação comunitária relativa às enzimas alimentares de forma eficaz e proporcionada, é necessário recolher dados, partilhar informações e coordenar as tarefas desenvolvidas pelos Estados-Membros. Para esse efeito, pode revelar-se útil realizar estudos sobre questões específicas, tendo em vista a facilitar o processo de tomada de decisões. É oportuno que a Comunidade financie esses estudos no âmbito do seu processo orçamental

Com o objetivo de respondermos à necessidade de um enquadramento no presente Regulamento, e por tudo o que foi referido anteriormente, ainda que de forma sumária, consideramos de extrema importância que se possa encontrar alguma excepcionalidade para a Flor de Cardo, num período transitório de 3-5 anos e que agora devidamente financiado possamos com os parceiros e agentes envolvidos neste processo desde inicio definir e especificar as soluções para mantendo toda a tradição, cultura e qualidade impares associadas ao QSE cumprirmos todas as exigência de produção, caracterização, estabilidade bioquímica, controlo e higienização da Flor de Cardo. Poder-se-á dizer que hoje, poderíamos ter feito mais, mas julgamos que uma parte da responsabilidade cabe ao Estado enquanto detentor da DOP - QSE em defender todo este património, que tal como o conhecemos, foi considerado pelos consumidores como uma das 7 maravilhas gastronómicas de Portugal. Cabe-nos a nós não defraudarmos as expectativas dos consumidores e ajudarmos a que este possa ser ainda mais um produto diferenciador e valorizado na sua identidade mas também na sua diversidade e artesanalidade. Propomo-nos candidatarmos no novo quadro comunitário à criação de um centro tecnológico que permita transferir e aplicar todo o conhecimento científico granjeado, num conceito inovador como forma de garantir todos os padrões de exigência para que a Flor de Cardo continue a ser usada como um dos ingredientes cruciais para a criação do QSE de excelência.

Este constitui um documento sumário que reúne diversas sensibilidades criado por um conjunto de agentes e actores diretamente relacionados com a fileira ovina e do Queijo Serra da Estrela que envolvem a ANCOSE, os Produtores individuais, autarquias, Instituições de Ensino Superior de referência na região (Escola Superior Agrária de Viseu e Universidade Católica Portuguesa- Centro Regional das Beiras), Escolas Secundárias e Institutos de Formação Profissional, entre outras. O documento resulta da interpretação e vontades assumidas por todos os agentes envolvidos, baseando-se nas conclusões da investigação aplicada desenvolvida ao longo destes anos e perspectivando soluções a curto prazo para cumprimento integral do Regulamento em análise. É reconhecido a necessidade de existir uma comunhão efectiva de interesse e um compromisso assumido entre o Estado enquanto detentor da DOP do Queijo Serra da Estrela e os agentes que têm de forma singular feito este trajeto antevendo de forma inteligente que esta questão poderia ser levantada, embora não tendo colhido por parte do poder central o devido reconhecimento e apoio. Essa opção, não nos demoveu de prosseguirmos naquilo que acreditávamos apenas o tivemos que fazer de forma mais lenta e com menos recursos, mas os resultados obtidos falam por si e acreditamos que agora com o apoio devido poderemos resolver a breve trecho mais esta questão, a contendo de todos.
A biodiversidade do cardo, a tipicidade das pastagens e paisagens, a excelência das raças autóctones de ovinos “Serra da Estrela” e a preservação e valorização do saber empírico dos pastores e das queijeiras cujas mãos moldam as massas, são a marca do Queijo Serra da Estrela. Neste tempo de inovação, na qual acreditamos, julgamos que é crucial perpetuar saberes, recriar tradições e recuperar “credos” que se estão a esvaziar dos territórios, destes nossos territórios, de essência natura e potencial “biotecnológico”. Um dos objetivos da divulgação deste projeto prende-se com uma estratégia de unir esforços em prol de um produto de referência e de uma região, numa lógica de criarmos valor com o território do qual este ícone é uma referência. Não deixemos que uns quaisquer queiram destruir um património e um legado com dois mil anos de história com justificações exclusivamente economicistas. Para perspectivarem o nosso futuro tem que conhecer muito bem a nossa história.

No Queijo Serra da Estrela sempre tivemos a Tradição de Inovar…


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