Não podia deixar de responder ao repto da `gazeta
rural´ para colaborar na edição do seu décimo quarto aniversário, mesmo sendo a
primeira coisa que faço chegado às férias. Existem dois momentos no ano, a
passagem do ano e o início das férias de verão, nos quais, normalmente em
ambiente mais descontraído, fazemos uma avaliação e uma análise retrospetiva e procuramos
gizar uma estratégia de futuro para almejarmos atingir os objetivos a que nos
havíamos proposto, muitas vezes obrigando-nos a mudar de rota ou de modus operandi. É certo que nas férias
procuramos fazer aquilo que nos dá prazer, por isso escrevo esta crónica, buscando
a inspiração no sapal da ria formosa que tenho como fundo, um dos ecossistemas mais
ricos em biodiversidade e funcionalidade e que melhor conheço.
Uma tendência atual é existirem cada vez mais
especialistas, em temáticas cada vez mais especializadas, parecendo querer
desvalorizar aqueles que dominando distintas áreas ajudem a estabelecer pontes
e unir pontas. Por isso, as equipas de projeto ou de negócio, são vastas, por
vezes demasiado vastas, quer no número de instituições quer nas suas
composições e aquilo que, numa primeira análise, poderia ser uma vantagem pode
tornar-se num óbice se não existir uma coordenação competente e partilhada. Na `gazeta´
habituei-me a escrever sobre cardo, tornei-me um especialista no cardo, na
opinião de alguns, mesmo sabendo pouco sobre o que o cardo ainda nos vai poder trazer.
Por isso, apenas exponho aquilo que vamos fazendo na tentativa de contagiar
mais alguns que vejam aqui alguns exemplos que possam ser transpostos para
outras culturas ou mesmo outras áreas. Nunca existiram em Portugal tantos
projetos científicos relacionados, direta ou indiretamente com o cardo, sendo
que quase todos se procuram justificar com o queijo. Esta história começou com
o objetivo de valorizar a cultura através do conhecimento da sua biodiversidade
e dos seus recursos genéticos, através de um projeto PRODER, numa altura em que
o conhecimento era limitado. Todos os projetos de sucesso na área agroalimentar
começam por aqui. Depois segue-se um longo percurso de instalação e produção,
aquisição de conhecimento, desenvolvimento e inovação que ajude a promover a
criação de produtos que respondam, simultaneamente, aos propósitos dos seus criadores
e às expectativas dos consumidores. Tudo isto só é possível atingir se à
qualidade e excelência aliarmos um plano de comercialização e marketing
arrojado numa estratégia que queremos conceptualmente integrada e
multidisciplinar.
O projeto Cynatura, alvo de distinções e méritos
reconhecidos, desenvolve e cria soluções inovadoras com assinatura no cardo,
através do conhecimento técnico-científico multidisciplinar numa espécie com
vocações e aplicações múltiplas que, ao promover a valorização nutricional e
alimentar, a saúde e bem-estar, a sustentabilidade ambiental e a integração
social pode afirmar-se como uma cultura de futuro para muitas das regiões do
nosso território. Este projeto procura estimular o desenvolvimento de
conhecimento científico aplicado entre departamentos e unidades orgânicas do
IPV e entre politécnicos, para além de outras instituições referência como
universidades e centros de investigação a nível mundial. São exemplos recentes
o Centro de Investigação de Montanha (CIMO) do Instituto Politécnico de
Bragança com quem estamos a caracterizar os pigmentos da flor que constituem
uma forma de valorização e reconhecimento de identidade e autenticidade de um
produto, no caso os Queijos DOP. No Departamento de Mecânica da UP estudamos
hoje o potencial do óleo da semente em aplicações que se querem inovadoras e
promissoras e com o Departamento de Madeiras da ESTGV a excelência da biomassa
que acreditamos poder ter aplicações interessantes fruto das suas
características de leveza e resistência. Todas estas aplicações devem, em
primeira instância, poder ser valorizadas por empresas da região vocacionadas
para a criatividade e inovação aplicadas que se possam traduzir em mais e
melhor emprego e dividendos económicos. Por isso temos vindo a estabelecer colaborações
com empresas de reconhecido mérito nas mais diversas áreas da produção, desde o
design de mobiliário customizado como a Movecho, queijarias como Germil, Casa
da Insua e Vale da Estrela entre outras. Atualmente, no âmbito do projeto
Cynatura produzimos plantas de cardo devidamente selecionadas em escala e a um
custo competitivo. Para isso estabelecemos um protocolo de parceria com a
Brasplanta, um viveirista nacional de referência que cumpre os requisitos e os
padrões de qualidade a que nos obrigamos e que são cruciais para propagarmos a
cultura e numa estratégia de afirmação na qual acreditamos.
Neste caso,
como em muitos outros exemplos, é a produção agrícola que suporta toda a
pirâmide de valorização da produção e transformação. Produzir com uma qualidade
diferenciada de forma eficiente e sustentável perspetivando as alterações
climáticas são requisitos obrigatórios para o sucesso na agricultura. Para
concretizarmos este desígnio temos que produzir com menos recursos e meios, ter
menos desperdícios e retirar mais dividendos económicos pela aplicação
especializada dos mais diversos compostos bioativos existentes nos diversos
componentes da biomassa vegetal designadamente na raiz, caule, folha, capitulo,
flor e semente. A seleção, caracterização e melhoramento dos recursos genéticos
permitem a criação das melhores características para a planta tendo como
objetivo as suas vocações mais específicas. A flor assume-se como a força
motriz do projeto, com um potencial de rentabilidade produtivo e económico,
pela padronização da qualidade e especialização, procurando uma maior
valorização para todos produtos onde conste como matéria-prima nas indústrias
agroalimentar, cosmética e farmacêutica. Outras aplicações estão a ser
desenvolvidas aproveitando a diversidade morfológica e fitoquímica, aliadas a
uma elevada resistência e adaptação a diversos tipos de stresse, usando a
multidisciplinariedade e a capacidade técnico-científica instalada nas várias
instituições envolvidas. Para além da sua capacidade intrínseca, o cardo é uma
espécie que pode valorizar outras culturas, seja na produção especializada de
cogumelos com propriedades exclusivas, seja na ação biocida e proteção de
outras culturas que permitem o desenvolvimento de novos produtos e conceitos
agroalimentares saudáveis, exclusivos e inovadores, nutricionalmente mais
evoluídos, num processo produtivo que respeita a preservação e valorização do
ambiente. Todo este trabalho em torno do cardo está, neste preciso momento, a
ser alvo de um estudo europeu com o intuito de poder ser validado sob ponto de
vista produtivo e económico como um cultura a ser apoiada em territórios com
vocações similares ao nosso. Em jeito de remate não posso de deixar de referir
a criação mais recente, a cerveja de cardo, desenvolvida por um jovem
empreendedor da região e à qual auguro um futuro promissor e cuja estreia
mundial será agendada muito em breve para ser lançada na sua região de origem onde
as identidades se revelam….e para brindarmos ao sucesso do Cardo!
Paulo Barracosa
Sem comentários:
Enviar um comentário