domingo, 13 de outubro de 2019

Maçã Bravo de Esmolfe: A identidade e Exclusividade de um Recurso Genético na Promoção de um Território



Agradecimentos

Queria começar por agradecer o convite do Presidente da Câmara de Penalva de Castelo e fico imensamente satisfeito por esta feira se realizar no berço de origem deste recurso genético de exceção. Um cumprimento especial aos restantes elementos da Mesa, designadamente ao Presidente do Turismo do Centro, Dr. Pedro Machado, ao Eng. Belarmino da FELBA e à Eng. Arminda Lopes da DRAPC, e a todos os participantes.
Quando o Presidente me convidou para colaborar neste colóquio, julgo não ir cometer nenhuma inconfidência, afirmei na altura existirem pessoas mais capazes para falarem sobre este ícone, ao que ele retorquiu dizendo que eu falava de tudo e que tinha “um grande jogo de cintura”. Estou hoje numa situação cómoda porque estão aqui um conjunto de especialistas que falarão sobre as questões técnicas desta variedade e desta cultura. Isto serve para dizer que não irei fazer uma apresentação técnica, nem científica, mas que irei usar esses argumentos para falar sobre um modelo conceptual de promoção de um recurso genético, de um território e das suas gentes. Apesar de falar de temáticas muito diversas, não uso os mesmos argumentos e debruço-me de modo muito específico e singular sobre cada recurso, seja alfarroba, cardo, queijo Serra da Estrela, Vinho do Dão, Truta do Paiva, Castanha de Sernancelhe ou qualquer outro recurso do distrito de Viseu e em particular da região Dão-Lafões e Alto Paiva.

Declaração de intenções em prol do Centro

Vou começar por fazer uma declaração de intenções, porque apesar de ter nascido no minho e ter vivido uma parte da minha vida no Algarve, sou hoje um defensor acérrimo do Centro ao qual me dedico de “alma e coração”.  Esta expressão não é em vão porque no Centro existe o Coração e Alma deste País. Nunca me irão ouvir falar de interior mas sim de Centro. E lanço este repto. Basta que sejam os ilustres de Lisboa a apelidarem-nos de interior profundo e terras de baixa densidade, nós temos um enorme orgulho de representarmos a “Alma-mater” de um Povo.

Os meus princípios na Maçã Bravo de Esmolfe

Ao falar da maçã “bravo de Esmolfe” recordo-me dos primeiros tempos em que pisei esta região na década de 90. Dos primeiros estudos científicos que efetuei por cá foi na avaliação da biodiversidade genética e molecular nas variedades regionais de maçã em parceria com a Eng. Arminda Lopes da DRAPC e recordo-me da alegria do meu Pai quando, todos os anos, chegam as primeiras maçãs bravo de Esmolfe ao Algarve e que me telefona relatando as sensações provocadas por tão aveludada textura e perfume inebriante que se traduzem num bouquet inconfundível e numa composição excelsa de sabores no palato. Por outro lado, as minhas filhas ambas nutricionistas não prescindem desta maçã, assumindo-se por onde passam como verdadeiras embaixadoras de um produto que é reconhecidamente uma mais valia quer sob ponto de vista nutricional quer como promotor de saúde. Isto para dizer que haverá muitos filhos da terra que estudam por esse pais fora e além fronteiras que podem ajudar a alavancar ainda mais este recurso, desde a área agrícola, agro-alimentar, marketing, nutricional, saúde.

A Região Demarcada Bravo de Esmolfe

Infelizmente no mapa da região demarcada não marca presença a freguesia de Esmolfe, berço e coração da mesma, o que representa uma falta de visão estratégica e até algum desrespeito, talvez por estar no tal interior. Diremos que para nós é natural porque conhecemos mas por uma questão de marketing e se queremos ir para o mundo esse destaque é vital. Mas este tique não é apenas exclusivo da maçã bravo de Esmolfe os próprios vinhos do Dão que têm por berço um rio não lhe Dão o devido destaque. Basta reparar que em nenhum momento algum se vêm fotos de vinhas junto ao rio nem mesmo o rio é referenciado nos roteiros relacionados com o vinho do Dão. Poder-me-ão dizer que não é preciso, eu respondo que é um desrespeito. Só iremos dar valor quando tivermos o Rio em perigo e nessa altura será tarde. Felizmente que há Holandeses que se mobilizam e preocupam com o rio Dão aos quais se têm de juntar os tais “filhos da terra”.

A História da Bravo de Esmolfe

Em termos de historial valeria a pena ir até à raiz das origens e incentivar historiadores e etnobotânicos a descreverem melhor as origens desta variedade regional. Sabe-se que é conhecida desde o séc. XVIII, e originária da aldeia de Esmolfe (Penalva do Castelo) e terá sido obtida a partir de uma árvore proveniente de semente. Como os seus frutos são muito apreciados, obtiveram-se enxertos que disseminaram esta variedade por várias zonas de produção frutícola, especialmente na Região da Beira Alta e em parte da Cova da Beira.
A designação Bravo é normalmente atribuída a árvores não enxertadas e está invariavelmente associada a características menos valorizadas. Neste caso está reconhecidamente associada a características ímpares e o Bravo deriva de ter sido originária de uma árvore provinda de semente, aliás como muitas das conhecidas variedades regionais que não foram alvo de um melhoramento específico e que surgiram do acaso ou melhor da perspicácia das pessoas que encontraram mais-valias nessas características. Curiosa é a outra interpretação de Bravo que significa “aplauso” e que foi em tempos usada pela Cooperativa das frutas de Mangualde em campanhas de marketing, ao jeito de “Bravo Mangualde”, como que a aplaudir os fruticultores daquela região pelo excelente trabalho que realizaram ao cultivar esta variedade.
A Bravo de Esmolfe DOP amadurece em pleno lá para meados de Setembro, quando o Outono se instala. Utilizava-se para perfumar armários de roupa, gavetas de coisas de uso delicado que hoje têm caído um pouco em desuso.  Há registo de práticas deste tipo com mais de 300 anos, pelo que estamos perante uma variedade venerável e que inclusivamente casos havia em que se vendia à unidade. A cozinha portuguesa integra-a com facilidade, sempre que o receituário refere o produto maçã. Pela complexidade aromática faz boa companhia a um frango assado e até a uma fatia de queijo Serra da Estrela, podendo acompanhar vinhos do Dão brancos feitos com base na casta Encruzado.
Este ano em testemunho ao Sr. Alegria reavivamos uma prática do passado e fizemos um vinho Touriga-Nacional na APPCDM onde colocamos fatias de maçã bravo de Esmolfe que para além do aroma, nos permite ver os níveis de oxidação que são cruciais para irmos adicionando antioxidantes…de origem natural e não sulfuroso.

A Biodiversidade e a DOP

No mundo existem mais de 7500 variedades o que representa um portfólio impressionante de biodiversidade e recursos genéticos no que à maçã concerne. Em Portugal existem 140 variedades de maçã registada no catálogo nacional de fruteiras, sendo que 104 foram propostas pela DRAPC e é em Viseu onde se localiza a coleção de variedades regionais. Apenas duas variedades de maçã, a Bravo de Esmolfe e a Riscadinha de Palmela possuem uma DOP específica. Uma DOP é um nome geográfico ou equiparado que designa e identifica um produto originário desse local ou região, cuja qualidade ou características se devem essencial ou exclusivamente ao meio geográfico específico, incluindo fatores naturais e humanos, cujas fases de produção têm lugar na área geográfica delimitada.
A perceção desta forte ligação entre a variedade e o contexto ecológico e social em que evoluiu levou à criação, em 1992, de uma Denominação de Origem Protegida (DOP) que abrange uma área de produção relativamente vasta, englobando diversos concelhos dos distritos de Viseu e da Guarda.
Na criação de uma denominação de origem estão normalmente envolvidos dois tipos de motivações. Por um lado, pode surgir como reação à perda de qualidade de um produto percecionado como tradicional de uma região, quer pelo alargamento exagerado da sua área de produção ou pela utilização usurpadora da sua designação, quer pelos desvios ao saber fazer tradicional, geralmente associados a um paralelo desenvolvimento industrial. Por outro lado, pode ter origem numa vontade comunitária de afirmação da identidade local, através da revitalização de costumes e tradições.
A área geográfica de produção da Bravo de Esmolfe está circunscrita aos Concelhos de: Aguiar da Beira, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Gouveia, Guarda, Manteigas, Pinhel, Seia, Trancoso do distrito da Guarda; Covilhã, Belmonte, Fundão, do distrito de Castelo Branco; Arganil, Tábua, Oliveira do Hospital, do distrito de Coimbra; Tondela, Santa Comba Dão, Carregal do Sal, Nelas, Mangualde, Penalva do Castelo, Sátão, Aguiar da Beira, Viseu, S. Pedro do Sul, Vila Nova de Paiva, Castro Daire, Sernancelhe, Penedono, Moimenta da Beira, Tarouca, Lamego e Armamar, do Distrito de Viseu.
A designação da variedade e da denominação de origem confundem-se e portanto os benefícios que esta última poderia assegurar estão já garantidos pelo conhecimento que os consumidores têm da variedade que, independentemente da existência ou não da certificação estão dispostos a pagar mais por um produto cuja qualidade reconhecem.
Curiosamente, numa leitura atenta que fiz os fatores humanos que são cruciais em qualquer produto de excelência e região apenas são valorizados no caso da Riscadinha de Pamela, onde se menciona objetivamente “Os fatores humanos da região são decisivos para as características que a Maçã Riscadinha de Palmela apresenta na região, através do saber-fazer das pessoas no que diz respeito à condução, execução da poda bem como na determinação do estado de maturação ideal que os frutos devem apresentar aquando do momento da colheita, havendo a necessidade do seu escalonamento pois os frutos não apresentam simultaneamente o mesmo grau de maturação. A identificação do ponto ótimo de colheita é determinante para a obtenção da coloração da epiderme que caracteriza o produto.”
Aqui recordo-me do Sr. Humberto de Penalva do Castelo que delicadamente cedeu material vegetativo (“semente”) para um casal amigo de ingleses (Anne Watt e o James) que conhecendo as maçãs de todo o mundo quiseram ter a biodiversidade da região que adotaram para esta fase da vida e hoje desfrutam desses primores que a maioria de nós nem conhece. E vão encontrando as melhores aplicações para cada uma delas, em fresco, assadas, em doce mas todas excelentes promotoras de saúde pela excelente acidez que revelam. Falar ainda do Sr. Constantino, exímio enxertador que fez o papel de “ourives” na enxertia das variedades regionais que hoje estão na Quinta de São Cipriano.
Deixem-me dizer em abono da verdade que vocês têm em Penalva um dos gestores agrícolas mais capazes que conheço, o Eng. José Matias da Casa da Insua e espero que o saibam aproveitar porque infelizmente destes há poucos!

IGP do CENTRO

No centro que vai desde o Carregado a Espinho e desde o litoral à fronteira temos ainda três IGP da maçã. “IGP é um nome geográfico ou equiparado que designa e identifica um produto originário desse local ou região, que possui uma determinada qualidade, reputação ou outras características que podem ser essencialmente atribuídas à sua origem geográfica e que, em relação ao qual pelo menos uma das fases de produção tem lugar na área geográfica delimitada.”
Designa-se por Maçã da Beira Alta IGP, a maçã (espécie Malus domestica Borkh.) proveniente de diversas variedades dos grupos Golden, Gala, Red Delicious, Starking, Jonagold, Granny Smith, Jonared e Reinetas, obtidas na região delimitada. Caracteriza-se pelo seu bom paladar, perfume e capacidade de conservação.
A “Maçã de Alcobaça IGP” é mais uma IGP do Centro onde se produz os frutos dos grupos Casa Nova, Golden Delicious, Red Delicious, Gala, Fuji, Granny Smith, Jonagold, Reineta e Pink obtidos na área geográfica delimitada, caracterizados pela elevada consistência e crocância, pela elevada percentagem em açúcar e por uma acidez também elevada, o que lhes confere um gosto agridoce e aroma intenso. Os elevados teores de acidez total, é fundamental no equilíbrio entre os açúcares e os ácidos que confere às maçãs de Alcobaça o aroma e o sabor agridoce específicos que as diferenciam de outras. Curiosamente tem uma história rica que justifica este título. “A zona de produção da maçã de Alcobaça corresponde à área do território secularmente conhecido por «coutos de Alcobaça». A delimitação inicial dos Coutos de Alcobaça deveu-se essencialmente aos factores políticos existentes à data (séc. XII/XIII), existindo indicações históricas de que, na realidade, a área se estendia mais para sul. Os monges ocuparam assim as áreas com aptidão agrícola e que correspondem às atuais áreas de produção da maçã. O cultivo de fruteiras, em especial de macieiras, começa logo a ter importante significado. Numa época em que a doçaria estava pouco desenvolvida, a maçã servia de sobremesa depois de faustosas refeições.” Este interesse dos Monges não poderia ter tido paralelo na IGP da Beira Alta?
Considera-se “Maçã da Cova da Beira IGP” os frutos provenientes de diversas variedades de macieira (Malus domestiva Borh) tradicionalmente cultivadas entre as serras da Gardunha, Estrela e Malcata, na zona designada por Cova da Beira.
Depois ainda existe ainda uma IGP Maçã de Portalegre IGP, cujo fruto proveniente da Macieira (Malus spp.), variedade Bravo, produzido na região delimitada. É uma maçã média, redonda, achatada, de cor amarela esverdeada, com manchas rosáceas e pedúnculo curto. Bastante apreciada e muito saborosa, é doce e apresenta um aroma pronunciado.
Ao contrário da maçã da Cova da Beira, mais orientada para a suculência e generosidade volúmica da polpa, acompanhada de uma acidez que se destaca, a de Portalegre é toda ela doçura e riqueza aromática tratando-se de uma variedade Bravo. Tem pouco mais de um século esta maçanita que, deixando-se transformar pela características da Serra de S. Mamede, é uma delícia atingindo “suculência daquela que escorre pelos cantos da boca”, sendo que por vezes já se lhe chama... pêro”.

Investigação

Como já referi comecei a fazer estudos em ADN nas variedades regionais de macieira nos finais da década de 90, em parceria com a Eng. Arminda Lopes da DRAPC numa altura em que poucos investigadores o faziam e eram parcos os estudos relacionados com estas técnicas na avaliação da biodiversidade. Hoje privilegio métodos mais diretos e práticos que podemos auscultar na prática pelo sabor e pelo saber fazer. Faço-o no queijo Serra da Estrela e em muitas das outras áreas onde colaboro para chegarmos ao coração e aos neurónios das pessoas com aqueles sabores e prazeres que não mais esquecemos e que nos remontam a lugares das memórias de infância e que fazem trazer pessoas aos territórios do Centro.
Hoje estamos integrados no maior projeto mobilizador em Portugal para a área Agro-alimentar (MOBFOOD) a estudar a Maçã de Alcobaça. Diremos que será uma ironia do destino, estar hoje e sempre a defender a “maçã bravo de Esmolfe” e estar a dar todo o meu esforço em prol, aparentemente de um outro território, embora no centro. Mas vem-nos à memória a frase batida de “Santos da Casa não fazem milagres”. Mas neste projeto consegui fazer incluir o Queijo Serra da Estrela e se tivéssemos força política tínhamos metido também a maçã Bravo de Esmolfe.  Na prática este projeto tem como objectivo encontrarmos marcadores de vária ordem que possam atestar a origem do produto para ser usado na autenticidade e na promoção do produto para que o consumidor tenha a garantia do produto, não apenas na rastreabilidade mas também nas características organoléticas. Estes projetos interessam às empresas que usam e comercializam essas matérias-primas quer em fresco quer em formas processadas.

Marketing e Promoção

Eu sou apologista de uma promoção de verdade e com sentimento, Alma. E não conheço melhor intérprete neste domínio que o Miguel Esteves Cardoso. Pela pesquisa que fiz nunca o MEC falou da maçã bravo de Esmolfe em Fresco. E sinceramente é estranho que ainda ninguém se tenha lembrado de lhe levar uma caixa de maçãs bravo de Esmolfe para ele dissertar sobre este recurso premium e tenho a certeza o faria de uma forma singular e ímpar. Mas posso estar enganado!
E até já falou de maças numa crónica intitulada “Duas maçãs ímpares” de 5 de janeiro de 2019
 “Duas maçãs ímpares
Assevero à Maria João que me lembro desta maçã dos anos 50. Como é que deixaram desaparecer esta maravilha? 5 de Janeiro de 2019
Raúl Rodrigues mandou-me as melhores maçãs que já tive a felicidade de comer: Porta da Loja. Ele é professor da Escola Agrária de Ponte de Lima. É também um herói. Vale mesmo a pena ler o texto de Sónia Santos Pereira na Vida Rural. Em dez anos ele identificou e plantou mais de cem variedades regionais de macieiras do Minho, salvando muitas da extinção e conseguindo promovê-las ao ponto de esgotar algumas e aumentar o preço de maneira a compensar os produtores. Para fazer este levantamento percorreu o Minho, falando com quem era preciso, socorrendo tanto as maçãs como as sabedorias. E sabem o que vai fazer a seguir: fazer o mesmo com as peras. Se isto não é heróico então não compreendo o sentido da palavra. Se o Minho tem centenas quantas outras macieiras regionais correm perigo ou já desapareceram? Raúl Rodrigues tem razão: basta comer uma maçã Porta da Loja para já não querer outra coisa. Eis senão quando provo uma maçã linda, listada de amarelo, parecida com um pêssego rosa, com relevo na pele. É magnífica. Foi cultivada em sistema bio nas Azenhas do Mar por José Sequeira. Que delícia! E que saudade! Assevero à Maria João que me lembro desta maçã dos anos 50. Como é que deixaram desaparecer esta maravilha? Descubro depois que a maçã é Jonagored, uma mutação da Jonagold que nasceu em Nova Iorque no ano de 1968. Mas também não foi por isso que perdeu delícia. Como prémio de consolação descarreguei um maneirinho PDF feito por eles sobre como produzir macieiras bio. E pronto.”
Podia muito bem ter sido feita a referência à Eng. Arminda e a toda a equipa da DRAPC que tem realizado um trabalho notável de pesquisa, preservação, manutenção, carcaterização e promoção.
Falou ainda que “Portugal é o único país europeu que conheço onde não se produz sidra. Com tantas maçãs (e peras) que temos - e tantas que não se aproveitam - como é que isso é possível? 28 de Novembro de 2017”.
Relembro-me que nos meus primórdios na ESAV com o artista Paulo Medeiros, criador do logo da ESAV, estabelecemos uma ligação do “E” de “Escola” com a denominação Esmolfe, conferindo a cor da maçã Bravo de Esmolfe para além desse “E” se assemelhar a um pêro com pedúnculo.

A importância de Preservar um Património Genético

A coleção mantida por Raúl Rodrigues tem sido utilizada para atividades de investigação e também para aulas de campo, que o docente realiza com os seus alunos, e como matéria-prima para teses de licenciatura e mestrado colocando o conhecimento ao serviço da economia da região.
As variedades estão perfeitamente adaptadas ao clima e solos minhotos, com uma herança genética que as torna particularmente resilientes a determinadas pragas e maleitas. Além disso, a coleção tem a particularidade de estar a ser implementada no modo de produção biológico. Assim, a proteção contra pragas e doenças torna-se mais fácil de obter do que na produção industrial, uma vez que são criadas condições naturais para que inimigos naturais das pragas se desenvolvam, fazendo com que o equilíbrio natural ocorra na maioria dos casos.
É ainda determinante estarmos atentos ao evoluir das alterações climáticas e prever algumas variedades que possam no futuro vir a desempenhar um papel crucial. Sigamos o exemplos do vinho onde assistimos ao renascimento de castas antigas agora numa nova vocação para além da substituição de químicos de síntese por fitofármacos de base natural.
O modelo agrícola hoje predominante “é insustentável”, diz. “É altamente penalizador para o ambiente e limitador do acesso aos mercados por parte dos pequenos agricultores”, denuncia. O professor da ESAPL tem, por isso, advogado a promoção de uma fruticultura sustentável, assente em variedades autóctones e adaptadas à região em que são produzidas: “É uma das principais saídas para a conservação da biodiversidade regional e com potencial para o desenvolvimento económico”.

Património imaterial

As variedades regionais “podem ser exploradas economicamente”, defende Raúl Rodrigues. Para isso, acredita ser necessário divulgar estas maçãs, junto dos consumidores. “Isto é um património”, sublinha. “Esse conceito não se resume à arte de fazer talha, moldar o granito ou o ferro forjado. Existe um património vegetal, sobre o qual se foi construindo património imaterial, como as tradições que lhe estão associadas”.
Eu tenho falado por diversas vezes em realizar-se uma feira para promoção das variedades regionais na região. Mas infelizmente ninguém me dá ouvidos porque nunca ninguém o fez e nós gostamos sempre de seguir alguém e temos receio de irmos na frente. Esse medo a mim não me assusta. Mas também poderá ser pela máxima de “Vozes de Burro não chegam ao Céu”.
Será difícil envolver o gigante Apple numa ação de promoção das maçãs Portuguesas? Não acredito e até apostava que se o desafio fosse bem apresentado teria acolhimento.

Cultura e Etnobotânica na promoção das Variedades Regionais

De resto, o trabalho deste professor do ensino superior não se resume à recolha e preservação das variedades de maçãs. Em cada saída de campo, Raúl Rodrigues faz contactos com as populações, para saber mais sobre as variedades, tanto ao nível do comportamento agronómico como ao nível das tradições que envolve. Várias destas variedades têm associadas tradições rurais, algumas das quais ainda se mantêm. A mais famosa é, provavelmente, a da maçã Porta-da-loja que, no Baixo Minho – em especial na vasta área que, na Idade Média, era dominada pelo mosteiro de Tibães, em Braga – era comida na noite de consoada. A maçã era assada no borralho, ou no forno, e servida em malga, regada com vinho verde tinto e polvilhada com açúcar.
Outra tradição associada a esta variedade (essa já perdida) consistia em oferecer maçãs ao pároco da freguesia, por altura da Páscoa. A Porta-da-loja é colhida no Outono, mas mantinha-se fresca até à Primavera. “É uma tradição que atesta a elevada capacidade de conservação desta variedade sem recurso a câmaras frigoríficas”, sublinha o professor da Escola Superior Agrária de Ponte de Lima.
Em termos de maçã processada, MEC refere ainda que a melhor compota é a uvada e, sendo difícil de encontrar, é impossível separarmo-nos dela 6 de Outubro de 2012.
“O melhor doce português de todos é uma compota feita só com fruta. Não leva um só grama de açúcar. É verdade que está quase 20 horas ao lume e que tem um ingrediente secreto (uma fruta dificíl de encontrar), pelo que não apetecerá fazer em casa. É a uvada. Comê-la é voltar à meninice, ao prazer de enfiar um dedo desobediente numa tigela de marmelada recém-cozida e deixada ao sol a secar e trazer um pedacinho pegajoso para a boca. Sabe a antes de Afonso Henriques, a prazer antigo que o tempo deveria ter levado mas, por sorte, deixou”.
“A novidade da uvada é a antiguidade dela. É feita apenas com mosto de uvas. Ferve-se em fogo lento durante horas e horas até perder a água. Fica então o "arrobe" ao qual se acrescenta o tal ingrediente secreto. Há quem faça com maçã bravo de esmolfe mas não é esse o ingrediente secreto da Dona Celeste, esclareço já”.
“Mosto, peros, lenha, tempo, sabedoria e paciência: são estes os únicos ingredientes. Nenhum dele foi inventado nos dois últimos milénios. Se leva muito tempo a fazer, também dura muito tempo. No site diz-se que a uvada "pode ter longa duração, sendo perfeitamente consumível ao fim de dois, três ou mais anos, altura em que pode ser fatiado ou cortado aos cubos".
“A Maria João e eu rimo-nos sempre que lemos este parágrafo porque a mais longa duração que uma tigela de uvada atingiu entre nós foi cerca de duas horas. É deliciosa demais para guardar mais do que uma semana. Só depositando uma dúzia de tigelas num cofre pré-programado só para abrir em 2015 é que poderíamos provar os provavelmente espantosos cubinhos de uvada”.
“Aqui se vê em prática que o tempo, só por si, é um investimento. Uma receita dura milénios, leva um dia inteiro a fazer e, mesmo assim, num "ambiente arejado e seco", pode durar mais de três anos”.

Nutrição e Saúde “An apple a day keeps the doctor away”

A maçã agarra-se quando se passa pela fruteira ao entrar e ao sair de casa, e transpira saúde. É bem verdade e então este que chama por nós com aquele aroma inconfundível.  Talvez por isso se diga daquele que não há maleita que derrube que “é são como um pero”. É esta maçã também que se assemelha às bochechinhas das meninas sãs e casadoiras do campo, imortalizadas pelos nossos escritores românticos.
A maçã é um fruto cada vez mais conceituado, no que diz respeito à filosofia da promoção da saúde através da nutrição.
É a combinação dos nutrientes da maçã, a vitamina C, o ácido málico, a fibra e a pectina, em conjunto com diferentes fitoquímicos, que fornece diversos efeitos protetores. Em estudos laboratoriais, o teor de fitoquímicos varia entre as diferentes espécies de maçãs, estando em maioria os flavonóides, com uma concentração média de quercetina na ordem dos 13,2 mg, a procianidina B com 9,35 mg, o ácido clorogênico com 9,02 mg e a epicatequina com 8,65 mg, por 100 gramas de fruta. A pele da maçã tem um contributo muito significativo destes compostos, comparativamente com a sua polpa.
Diversos estudos têm evidenciado os efeitos benéficos destes flavonóides no controlo das múltiplas vias do desenvolvimento do cancro como a bioactivação carcinogénica, sinalização celular, regulação do ciclo celular, angiogénese, stress oxidativo, inflamação, podendo, assim, reduzir o risco de cancro da mama, do estômago e do pulmão.  Desempenham ainda um papel determinante no controlo do peso, na diabetes, na saúde cardiovascular e na melhoria das funções respiratória e da memória.
Mas o tempo de armazenagem no frio pode afectar a atividade biológica e reduzir os efeitos anticancerígenos dos fitoquímicos presentes. Por isso, as maçãs de origem nacional têm vantagens sobre este aspecto. Como são portuguesas, das Beiras, as maçãs Bravo de Esmolfe não demoram muito a chegar a qualquer mercado de frescos e não precisam de processos de armazenamento longos. Podem assim ser consumidas quase que como acabadas de colher.








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