Agradecimentos
Queria começar por agradecer o convite do Presidente da Câmara de Penalva
de Castelo e fico imensamente satisfeito por esta feira se realizar no berço de
origem deste recurso genético de exceção. Um cumprimento especial aos restantes
elementos da Mesa, designadamente ao Presidente do Turismo do Centro, Dr. Pedro
Machado, ao Eng. Belarmino da FELBA e à Eng. Arminda Lopes da DRAPC, e a todos
os participantes.
Quando o Presidente me convidou para colaborar neste colóquio, julgo não
ir cometer nenhuma inconfidência, afirmei na altura existirem pessoas mais
capazes para falarem sobre este ícone, ao que ele retorquiu dizendo que eu
falava de tudo e que tinha “um grande jogo de cintura”. Estou hoje numa
situação cómoda porque estão aqui um conjunto de especialistas que falarão
sobre as questões técnicas desta variedade e desta cultura. Isto serve para dizer
que não irei fazer uma apresentação técnica, nem científica, mas que irei usar
esses argumentos para falar sobre um modelo conceptual de promoção de um
recurso genético, de um território e das suas gentes. Apesar de falar de
temáticas muito diversas, não uso os mesmos argumentos e debruço-me de modo
muito específico e singular sobre cada recurso, seja alfarroba, cardo, queijo
Serra da Estrela, Vinho do Dão, Truta do Paiva, Castanha de Sernancelhe ou
qualquer outro recurso do distrito de Viseu e em particular da região Dão-Lafões
e Alto Paiva.
Declaração de intenções em
prol do Centro
Vou começar por fazer uma declaração de intenções, porque apesar de ter
nascido no minho e ter vivido uma parte da minha vida no Algarve, sou hoje um
defensor acérrimo do Centro ao qual me dedico de “alma e coração”. Esta expressão não é em vão porque no Centro
existe o Coração e Alma deste País. Nunca me irão ouvir falar de interior mas
sim de Centro. E lanço este repto. Basta que sejam os ilustres de Lisboa a
apelidarem-nos de interior profundo e terras de baixa densidade, nós temos um
enorme orgulho de representarmos a “Alma-mater” de um Povo.
Os meus princípios na Maçã
Bravo de Esmolfe
Ao falar da maçã “bravo de Esmolfe” recordo-me dos primeiros tempos em
que pisei esta região na década de 90. Dos primeiros estudos científicos que
efetuei por cá foi na avaliação da biodiversidade genética e molecular nas
variedades regionais de maçã em parceria com a Eng. Arminda Lopes da DRAPC e
recordo-me da alegria do meu Pai quando, todos os anos, chegam as primeiras
maçãs bravo de Esmolfe ao Algarve e que me telefona relatando as sensações
provocadas por tão aveludada textura e perfume inebriante que se traduzem num
bouquet inconfundível e numa composição excelsa de sabores no palato. Por outro
lado, as minhas filhas ambas nutricionistas não prescindem desta maçã, assumindo-se
por onde passam como verdadeiras embaixadoras de um produto que é
reconhecidamente uma mais valia quer sob ponto de vista nutricional quer como
promotor de saúde. Isto para dizer que haverá muitos filhos da terra que
estudam por esse pais fora e além fronteiras que podem ajudar a alavancar ainda
mais este recurso, desde a área agrícola, agro-alimentar, marketing,
nutricional, saúde.
A Região Demarcada Bravo de
Esmolfe
Infelizmente no mapa da região demarcada não marca presença a freguesia
de Esmolfe, berço e coração da mesma, o que representa uma falta de visão
estratégica e até algum desrespeito, talvez por estar no tal interior. Diremos
que para nós é natural porque conhecemos mas por uma questão de marketing e se
queremos ir para o mundo esse destaque é vital. Mas este tique não é apenas
exclusivo da maçã bravo de Esmolfe os próprios vinhos do Dão que têm por berço
um rio não lhe Dão o devido destaque. Basta reparar que em nenhum momento algum
se vêm fotos de vinhas junto ao rio nem mesmo o rio é referenciado nos roteiros
relacionados com o vinho do Dão. Poder-me-ão dizer que não é preciso, eu
respondo que é um desrespeito. Só iremos dar valor quando tivermos o Rio em
perigo e nessa altura será tarde. Felizmente que há Holandeses que se mobilizam
e preocupam com o rio Dão aos quais se têm de juntar os tais “filhos da terra”.
A História da Bravo de Esmolfe
Em termos de historial valeria a pena ir até à raiz das origens e
incentivar historiadores e etnobotânicos a descreverem melhor as origens desta
variedade regional. Sabe-se que é conhecida desde o séc. XVIII, e originária da
aldeia de Esmolfe (Penalva do Castelo) e terá sido obtida a partir de uma árvore
proveniente de semente. Como os seus frutos são muito apreciados, obtiveram-se
enxertos que disseminaram esta variedade por várias zonas de produção
frutícola, especialmente na Região da Beira Alta e em parte da Cova da Beira.
A designação Bravo é normalmente atribuída a árvores não enxertadas e
está invariavelmente associada a características menos valorizadas. Neste caso
está reconhecidamente associada a características ímpares e o Bravo deriva de
ter sido originária de uma árvore provinda de semente, aliás como muitas das
conhecidas variedades regionais que não foram alvo de um melhoramento
específico e que surgiram do acaso ou melhor da perspicácia das pessoas que
encontraram mais-valias nessas características. Curiosa é a outra interpretação
de Bravo que significa “aplauso” e que foi em tempos usada pela Cooperativa das
frutas de Mangualde em campanhas de marketing, ao jeito de “Bravo Mangualde”,
como que a aplaudir os fruticultores daquela região pelo excelente trabalho que
realizaram ao cultivar esta variedade.
A Bravo de Esmolfe DOP amadurece
em pleno lá para meados de Setembro, quando o Outono se instala. Utilizava-se para
perfumar armários de roupa, gavetas de coisas de uso delicado que hoje têm
caído um pouco em desuso. Há registo de
práticas deste tipo com mais de 300 anos, pelo que estamos perante uma
variedade venerável e que inclusivamente casos havia em que se vendia à unidade.
A cozinha portuguesa integra-a com facilidade, sempre que o receituário refere
o produto maçã. Pela complexidade aromática faz boa companhia a um frango
assado e até a uma fatia de queijo Serra da Estrela, podendo acompanhar vinhos
do Dão brancos feitos com base na casta Encruzado.
Este ano em testemunho ao Sr.
Alegria reavivamos uma prática do passado e fizemos um vinho Touriga-Nacional
na APPCDM onde colocamos fatias de maçã bravo de Esmolfe que para além do
aroma, nos permite ver os níveis de oxidação que são cruciais para irmos
adicionando antioxidantes…de origem natural e não sulfuroso.
A Biodiversidade e a DOP
No mundo existem mais de 7500 variedades o que representa um portfólio
impressionante de biodiversidade e recursos genéticos no que à maçã concerne.
Em Portugal existem 140 variedades de maçã registada no catálogo nacional de
fruteiras, sendo que 104 foram propostas pela DRAPC e é em Viseu onde se
localiza a coleção de variedades regionais. Apenas duas variedades de maçã, a
Bravo de Esmolfe e a Riscadinha de Palmela possuem uma DOP específica. Uma DOP
é um nome geográfico ou equiparado que designa e identifica um produto
originário desse local ou região, cuja qualidade ou características se devem
essencial ou exclusivamente ao meio geográfico específico, incluindo fatores
naturais e humanos, cujas fases de produção têm lugar na área geográfica
delimitada.
A perceção desta forte ligação
entre a variedade e o contexto ecológico e social em que evoluiu levou à
criação, em 1992, de uma Denominação de Origem Protegida (DOP) que abrange uma
área de produção relativamente vasta, englobando diversos concelhos dos distritos
de Viseu e da Guarda.
Na criação de uma denominação de
origem estão normalmente envolvidos dois tipos de motivações. Por um lado, pode
surgir como reação à perda de qualidade de um produto percecionado como
tradicional de uma região, quer pelo alargamento exagerado da sua área de
produção ou pela utilização usurpadora da sua designação, quer pelos desvios ao
saber fazer tradicional, geralmente associados a um paralelo desenvolvimento
industrial. Por outro lado, pode ter origem numa vontade comunitária de
afirmação da identidade local, através da revitalização de costumes e
tradições.
A área geográfica de produção da Bravo de Esmolfe está circunscrita aos
Concelhos de: Aguiar da Beira, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Gouveia,
Guarda, Manteigas, Pinhel, Seia, Trancoso do distrito da Guarda; Covilhã,
Belmonte, Fundão, do distrito de Castelo Branco; Arganil, Tábua, Oliveira do
Hospital, do distrito de Coimbra; Tondela, Santa Comba Dão, Carregal do Sal,
Nelas, Mangualde, Penalva do Castelo, Sátão, Aguiar da Beira, Viseu, S. Pedro
do Sul, Vila Nova de Paiva, Castro Daire, Sernancelhe, Penedono, Moimenta da
Beira, Tarouca, Lamego e Armamar, do Distrito de Viseu.
A designação da variedade e da
denominação de origem confundem-se e portanto os benefícios que esta última
poderia assegurar estão já garantidos pelo conhecimento que os consumidores têm
da variedade que, independentemente da existência ou não da certificação estão
dispostos a pagar mais por um produto cuja qualidade reconhecem.
Curiosamente, numa leitura atenta que fiz os fatores humanos que são
cruciais em qualquer produto de excelência e região apenas são valorizados no
caso da Riscadinha de Pamela, onde se menciona objetivamente “Os fatores
humanos da região são decisivos para as características que a Maçã Riscadinha
de Palmela apresenta na região, através do saber-fazer das pessoas no que diz
respeito à condução, execução da poda bem como na determinação do estado de
maturação ideal que os frutos devem apresentar aquando do momento da colheita,
havendo a necessidade do seu escalonamento pois os frutos não apresentam simultaneamente
o mesmo grau de maturação. A identificação do ponto ótimo de colheita é
determinante para a obtenção da coloração da epiderme que caracteriza o
produto.”
Aqui recordo-me do Sr. Humberto de Penalva do Castelo que delicadamente cedeu
material vegetativo (“semente”) para um casal amigo de ingleses (Anne Watt e o
James) que conhecendo as maçãs de todo o mundo quiseram ter a biodiversidade da
região que adotaram para esta fase da vida e hoje desfrutam desses primores que
a maioria de nós nem conhece. E vão encontrando as melhores aplicações para
cada uma delas, em fresco, assadas, em doce mas todas excelentes promotoras de
saúde pela excelente acidez que revelam. Falar ainda do Sr. Constantino, exímio
enxertador que fez o papel de “ourives” na enxertia das variedades regionais
que hoje estão na Quinta de São Cipriano.
Deixem-me dizer em abono da verdade que vocês têm em Penalva um dos
gestores agrícolas mais capazes que conheço, o Eng. José Matias da Casa da
Insua e espero que o saibam aproveitar porque infelizmente destes há poucos!
IGP do CENTRO
No centro que vai desde o Carregado a Espinho e desde o litoral à
fronteira temos ainda três IGP da maçã. “IGP é um nome geográfico ou equiparado
que designa e identifica um produto originário desse local ou região, que
possui uma determinada qualidade, reputação ou outras características que podem
ser essencialmente atribuídas à sua origem geográfica e que, em relação ao qual
pelo menos uma das fases de produção tem lugar na área geográfica delimitada.”
Designa-se por Maçã da Beira Alta IGP, a maçã (espécie Malus domestica
Borkh.) proveniente de diversas variedades dos grupos Golden, Gala, Red
Delicious, Starking, Jonagold, Granny Smith, Jonared e Reinetas, obtidas na
região delimitada. Caracteriza-se pelo seu bom paladar, perfume e capacidade de
conservação.
A “Maçã de Alcobaça IGP” é mais uma IGP do Centro onde
se produz os frutos dos
grupos Casa Nova, Golden Delicious, Red Delicious, Gala, Fuji, Granny
Smith, Jonagold, Reineta e Pink obtidos na área geográfica delimitada,
caracterizados pela elevada consistência e crocância, pela elevada percentagem
em açúcar e por uma acidez também elevada, o que lhes confere um gosto agridoce
e aroma intenso. Os elevados teores de acidez total, é fundamental no
equilíbrio entre os açúcares e os ácidos que confere às maçãs de Alcobaça o
aroma e o sabor agridoce específicos que as diferenciam de outras. Curiosamente
tem uma história rica que justifica este título. “A zona de produção da maçã de
Alcobaça corresponde à área do território secularmente conhecido por «coutos de
Alcobaça». A delimitação inicial dos Coutos de Alcobaça deveu-se essencialmente
aos factores políticos existentes à data (séc. XII/XIII), existindo indicações
históricas de que, na realidade, a área se estendia mais para sul. Os monges
ocuparam assim as áreas com aptidão agrícola e que correspondem às atuais áreas
de produção da maçã. O cultivo de fruteiras, em especial de macieiras, começa
logo a ter importante significado. Numa época em que a doçaria estava pouco
desenvolvida, a maçã servia de sobremesa depois de faustosas refeições.” Este
interesse dos Monges não poderia ter tido paralelo na IGP da Beira Alta?
Considera-se “Maçã da Cova da Beira IGP” os frutos provenientes de
diversas variedades de macieira (Malus domestiva Borh) tradicionalmente
cultivadas entre as serras da Gardunha, Estrela e Malcata, na zona designada
por Cova da Beira.
Depois ainda existe ainda uma IGP Maçã de Portalegre IGP, cujo fruto
proveniente da Macieira (Malus spp.), variedade Bravo, produzido na região
delimitada. É uma maçã média, redonda, achatada, de cor amarela esverdeada, com
manchas rosáceas e pedúnculo curto. Bastante apreciada e muito saborosa, é doce
e apresenta um aroma pronunciado.
Ao contrário da maçã da Cova da
Beira, mais orientada para a suculência e generosidade volúmica da polpa,
acompanhada de uma acidez que se destaca, a de Portalegre é toda ela doçura e
riqueza aromática tratando-se de uma variedade Bravo. Tem pouco mais de um
século esta maçanita que, deixando-se transformar pela características da Serra
de S. Mamede, é uma delícia atingindo “suculência daquela que escorre pelos
cantos da boca”, sendo que por vezes já se lhe chama... pêro”.
Investigação
Como já referi comecei a fazer estudos em ADN nas variedades regionais de
macieira nos finais da década de 90, em parceria com a Eng. Arminda Lopes da
DRAPC numa altura em que poucos investigadores o faziam e eram parcos os
estudos relacionados com estas técnicas na avaliação da biodiversidade. Hoje
privilegio métodos mais diretos e práticos que podemos auscultar na prática
pelo sabor e pelo saber fazer. Faço-o no queijo Serra da Estrela e em muitas
das outras áreas onde colaboro para chegarmos ao coração e aos neurónios das
pessoas com aqueles sabores e prazeres que não mais esquecemos e que nos
remontam a lugares das memórias de infância e que fazem trazer pessoas aos
territórios do Centro.
Hoje estamos integrados no maior projeto mobilizador em Portugal para a
área Agro-alimentar (MOBFOOD) a estudar a Maçã de Alcobaça. Diremos que será
uma ironia do destino, estar hoje e sempre a defender a “maçã bravo de Esmolfe”
e estar a dar todo o meu esforço em prol, aparentemente de um outro território,
embora no centro. Mas vem-nos à memória a frase batida de “Santos da Casa não
fazem milagres”. Mas neste projeto consegui fazer incluir o Queijo Serra da
Estrela e se tivéssemos força política tínhamos metido também a maçã Bravo de
Esmolfe. Na prática este projeto tem
como objectivo encontrarmos marcadores de vária ordem que possam atestar a
origem do produto para ser usado na autenticidade e na promoção do produto para
que o consumidor tenha a garantia do produto, não apenas na rastreabilidade mas
também nas características organoléticas. Estes projetos interessam às empresas
que usam e comercializam essas matérias-primas quer em fresco quer em formas
processadas.
Marketing e Promoção
Eu sou apologista de uma promoção de verdade e com sentimento, Alma. E
não conheço melhor intérprete neste domínio que o Miguel Esteves Cardoso. Pela
pesquisa que fiz nunca o MEC falou da maçã bravo de Esmolfe em Fresco. E
sinceramente é estranho que ainda ninguém se tenha lembrado de lhe levar uma
caixa de maçãs bravo de Esmolfe para ele dissertar sobre este recurso premium e
tenho a certeza o faria de uma forma singular e ímpar. Mas posso estar
enganado!
E até já falou de maças numa crónica intitulada “Duas maçãs ímpares” de 5
de janeiro de 2019
“Duas maçãs ímpares
Assevero à Maria João que me lembro desta maçã dos anos 50. Como é que
deixaram desaparecer esta maravilha? 5 de Janeiro de 2019
Raúl Rodrigues mandou-me as melhores maçãs que já tive a felicidade de
comer: Porta da Loja. Ele é professor da Escola Agrária de Ponte de Lima. É
também um herói. Vale mesmo a pena ler o texto de Sónia Santos Pereira na Vida
Rural. Em dez anos ele identificou e plantou mais de cem variedades regionais
de macieiras do Minho, salvando muitas da extinção e conseguindo promovê-las ao
ponto de esgotar algumas e aumentar o preço de maneira a compensar os
produtores. Para fazer este levantamento percorreu o Minho, falando com quem
era preciso, socorrendo tanto as maçãs como as sabedorias. E sabem o que vai
fazer a seguir: fazer o mesmo com as peras. Se isto não é heróico então não compreendo
o sentido da palavra. Se o Minho tem centenas quantas outras macieiras
regionais correm perigo ou já desapareceram? Raúl Rodrigues tem razão: basta
comer uma maçã Porta da Loja para já não querer outra coisa. Eis senão quando
provo uma maçã linda, listada de amarelo, parecida com um pêssego rosa, com
relevo na pele. É magnífica. Foi cultivada em sistema bio nas Azenhas do Mar
por José Sequeira. Que delícia! E que saudade! Assevero à Maria João que me
lembro desta maçã dos anos 50. Como é que deixaram desaparecer esta maravilha? Descubro
depois que a maçã é Jonagored, uma mutação da Jonagold que nasceu em Nova
Iorque no ano de 1968. Mas também não foi por isso que perdeu delícia. Como
prémio de consolação descarreguei um maneirinho PDF feito por eles sobre como
produzir macieiras bio. E pronto.”
Podia muito bem ter sido feita a referência à Eng. Arminda e a toda a
equipa da DRAPC que tem realizado um trabalho notável de pesquisa, preservação,
manutenção, carcaterização e promoção.
Falou ainda que “Portugal é o único país europeu que conheço onde não se
produz sidra. Com tantas maçãs (e peras) que temos - e tantas que não se
aproveitam - como é que isso é possível? 28 de Novembro de 2017”.
Relembro-me que nos meus primórdios na ESAV com o artista Paulo Medeiros,
criador do logo da ESAV, estabelecemos uma ligação do “E” de “Escola” com a
denominação Esmolfe, conferindo a cor da maçã Bravo de Esmolfe para além desse “E”
se assemelhar a um pêro com pedúnculo.
A importância de Preservar um
Património Genético
A coleção mantida por Raúl Rodrigues tem sido utilizada para atividades
de investigação e também para aulas de campo, que o docente realiza com os seus
alunos, e como matéria-prima para teses de licenciatura e mestrado colocando o conhecimento
ao serviço da economia da região.
As variedades estão perfeitamente adaptadas ao clima e solos minhotos,
com uma herança genética que as torna particularmente resilientes a
determinadas pragas e maleitas. Além disso, a coleção tem a particularidade de
estar a ser implementada no modo de produção biológico. Assim, a proteção
contra pragas e doenças torna-se mais fácil de obter do que na produção
industrial, uma vez que são criadas condições naturais para que inimigos naturais
das pragas se desenvolvam, fazendo com que o equilíbrio natural ocorra na
maioria dos casos.
É ainda determinante estarmos atentos ao evoluir das alterações
climáticas e prever algumas variedades que possam no futuro vir a desempenhar
um papel crucial. Sigamos o exemplos do vinho onde assistimos ao renascimento
de castas antigas agora numa nova vocação para além da substituição de químicos
de síntese por fitofármacos de base natural.
O modelo agrícola hoje predominante “é insustentável”, diz. “É altamente
penalizador para o ambiente e limitador do acesso aos mercados por parte dos
pequenos agricultores”, denuncia. O professor da ESAPL tem, por isso, advogado
a promoção de uma fruticultura sustentável, assente em variedades autóctones e
adaptadas à região em que são produzidas: “É uma das principais saídas para a
conservação da biodiversidade regional e com potencial para o desenvolvimento
económico”.
Património imaterial
As variedades regionais “podem ser exploradas economicamente”, defende
Raúl Rodrigues. Para isso, acredita ser necessário divulgar estas maçãs, junto
dos consumidores. “Isto é um património”, sublinha. “Esse conceito não se
resume à arte de fazer talha, moldar o granito ou o ferro forjado. Existe um
património vegetal, sobre o qual se foi construindo património imaterial, como
as tradições que lhe estão associadas”.
Eu tenho falado por diversas vezes em realizar-se uma feira para promoção
das variedades regionais na região. Mas infelizmente ninguém me dá ouvidos
porque nunca ninguém o fez e nós gostamos sempre de seguir alguém e temos
receio de irmos na frente. Esse medo a mim não me assusta. Mas também poderá
ser pela máxima de “Vozes de Burro não chegam ao Céu”.
Será difícil envolver o gigante Apple numa ação de promoção das maçãs
Portuguesas? Não acredito e até apostava que se o desafio fosse bem apresentado
teria acolhimento.
Cultura e Etnobotânica na
promoção das Variedades Regionais
De resto, o trabalho deste professor do ensino superior não se resume à
recolha e preservação das variedades de maçãs. Em cada saída de campo, Raúl
Rodrigues faz contactos com as populações, para saber mais sobre as variedades,
tanto ao nível do comportamento agronómico como ao nível das tradições que
envolve. Várias destas variedades têm associadas tradições rurais, algumas das
quais ainda se mantêm. A mais famosa é, provavelmente, a da maçã Porta-da-loja
que, no Baixo Minho – em especial na vasta área que, na Idade Média, era
dominada pelo mosteiro de Tibães, em Braga – era comida na noite de consoada. A
maçã era assada no borralho, ou no forno, e servida em malga, regada com vinho
verde tinto e polvilhada com açúcar.
Outra tradição associada a esta variedade (essa já perdida) consistia em
oferecer maçãs ao pároco da freguesia, por altura da Páscoa. A Porta-da-loja é
colhida no Outono, mas mantinha-se fresca até à Primavera. “É uma tradição que
atesta a elevada capacidade de conservação desta variedade sem recurso a
câmaras frigoríficas”, sublinha o professor da Escola Superior Agrária de Ponte
de Lima.
Em termos de maçã processada, MEC refere ainda que a melhor compota é a
uvada e, sendo difícil de encontrar, é impossível separarmo-nos dela 6 de
Outubro de 2012.
“O melhor doce português de todos é uma compota feita só com fruta. Não
leva um só grama de açúcar. É verdade que está quase 20 horas ao lume e que tem
um ingrediente secreto (uma fruta dificíl de encontrar), pelo que não apetecerá
fazer em casa. É a uvada. Comê-la é voltar à meninice, ao prazer de enfiar um
dedo desobediente numa tigela de marmelada recém-cozida e deixada ao sol a
secar e trazer um pedacinho pegajoso para a boca. Sabe a antes de Afonso
Henriques, a prazer antigo que o tempo deveria ter levado mas, por sorte,
deixou”.
“A novidade da uvada é a antiguidade dela. É feita apenas com mosto de
uvas. Ferve-se em fogo lento durante horas e horas até perder a água. Fica
então o "arrobe" ao qual se acrescenta o tal ingrediente secreto. Há
quem faça com maçã bravo de esmolfe mas não é esse o ingrediente secreto da
Dona Celeste, esclareço já”.
“Mosto, peros, lenha, tempo, sabedoria e paciência: são estes os únicos
ingredientes. Nenhum dele foi inventado nos dois últimos milénios. Se leva
muito tempo a fazer, também dura muito tempo. No site diz-se que a uvada
"pode ter longa duração, sendo perfeitamente consumível ao fim de dois,
três ou mais anos, altura em que pode ser fatiado ou cortado aos cubos".
“A Maria João e eu rimo-nos sempre que lemos este parágrafo porque a mais
longa duração que uma tigela de uvada atingiu entre nós foi cerca de duas horas.
É deliciosa demais para guardar mais do que uma semana. Só depositando uma
dúzia de tigelas num cofre pré-programado só para abrir em 2015 é que
poderíamos provar os provavelmente espantosos cubinhos de uvada”.
“Aqui se vê em prática que o tempo, só por si, é um investimento. Uma
receita dura milénios, leva um dia inteiro a fazer e, mesmo assim, num
"ambiente arejado e seco", pode durar mais de três anos”.
Nutrição e Saúde “An apple a day keeps the doctor away”
A maçã agarra-se quando se passa
pela fruteira ao entrar e ao sair de casa, e transpira saúde. É bem verdade e
então este que chama por nós com aquele aroma inconfundível. Talvez por isso se diga daquele que não há
maleita que derrube que “é são como um pero”. É esta maçã também que se
assemelha às bochechinhas das meninas sãs e casadoiras do campo, imortalizadas
pelos nossos escritores românticos.
A maçã é um fruto cada vez mais
conceituado, no que diz respeito à filosofia da promoção da saúde através da
nutrição.
É a combinação dos nutrientes da
maçã, a vitamina C, o ácido málico, a fibra e a pectina, em conjunto com
diferentes fitoquímicos, que fornece diversos efeitos protetores. Em estudos
laboratoriais, o teor de fitoquímicos varia entre as diferentes espécies de
maçãs, estando em maioria os flavonóides, com uma concentração média de
quercetina na ordem dos 13,2 mg, a procianidina B com 9,35 mg, o ácido
clorogênico com 9,02 mg e a epicatequina com 8,65 mg, por 100 gramas de fruta.
A pele da maçã tem um contributo muito significativo destes compostos,
comparativamente com a sua polpa.
Diversos estudos têm evidenciado
os efeitos benéficos destes flavonóides no controlo das múltiplas vias do
desenvolvimento do cancro como a bioactivação carcinogénica, sinalização
celular, regulação do ciclo celular, angiogénese, stress oxidativo, inflamação,
podendo, assim, reduzir o risco de cancro da mama, do estômago e do pulmão. Desempenham ainda um papel determinante no
controlo do peso, na diabetes, na saúde cardiovascular e na melhoria das
funções respiratória e da memória.
Mas o tempo de armazenagem no
frio pode afectar a atividade biológica e reduzir os efeitos anticancerígenos
dos fitoquímicos presentes. Por isso, as maçãs de origem nacional têm vantagens
sobre este aspecto. Como são portuguesas, das Beiras, as maçãs Bravo de Esmolfe
não demoram muito a chegar a qualquer mercado de frescos e não precisam de
processos de armazenamento longos. Podem assim ser consumidas quase que como
acabadas de colher.
Sem comentários:
Enviar um comentário