domingo, 5 de maio de 2024

Árvores Resilientes Que Contam Histórias

 




As três espécies, o Carvalho-alvarinho (Quercus robur L.; Fam. Fagaceae), a Faia-europeia (Fagus sylvatica L.; Fagacee) e a Tília-prateada (Tilia tomentosa Moench.; Malvaceae), todas caducifólias, revelam o cerne da sua identidade, porte e arquitetura quando desprovidas de folhagem. A vestimenta, curiosamente, é muito biodiversa em formas, tons e matizes o que exalta a identidade de cada espécie.

Comecemos pela taxonomia e o que nos dizem as famílias e os seus apelidos. A família Fagaceae inclui algumas das mais importantes plantas lenhosas do Hemisfério Norte, constituindo uma das fontes mais importantes de alimento para a vida selvagem (sylvatica) nas regiões de floresta temperada da Eurásia. O epíteto específico “robur”, do carvalho, apelida a robustez que ostenta cuja arquitetura erige uma árvore máscula e majestosa.  A Tília, que se assume como um dos ex-libris da cidade de Viseu, apelido como Afrodite arbórea, pelo senso de simetria e todo o desvelo que coloca na toilette, sendo uma das árvores de eleição do Mestre Aquilino Ribeiro que, as plantou no seu pátio beirão e que, privilegiadamente e sentimentalmente, as admirou e descreveu.  

A dendrocronologia, representa o ramo da ciência que se dedica ao estudo da datação dos anéis de crescimento e, etimologicamente, vem do grego, “dendros”, que significa árvore, “cronos”, que expressa tempo e “logos” que se refere a ciência. Quando observamos um corte transversal de uma árvore, é possível notar que ela possui círculos concêntricos denominados anéis de crescimento que resultam da atividade de crescimento do câmbio vascular. Um anel de crescimento típico possui duas partes distintas. O lenho primaveril, com uma coloração mais clara, que representa o crescimento do início do período vegetativo, normalmente na primavera. O lenho outonal, representa o fim do período vegetativo, geralmente no outono e, normalmente, apresenta uma coloração mais escura. A formação de um anel de crescimento típico é mais comum em árvores que crescem em locais com estações do ano bem definidas, como as regiões temperadas. Já em regiões tropicais e subtropicais essa diferenciação é menos definida. Fatores bióticos, abióticos, antropogénicos e outros podem afetar o crescimento de uma árvore e ficam indelevelmente gravados no seu cerne como uma fita do tempo de uma qualquer cassete que começa no umbigo, mas que irradia para a floresta.

A experiência de 25 anos a conviver e avaliar o estado fitossanitário das árvores da cidade de Viseu, permite-nos indagar sobre as causas que permitiram estarmos aqui a admirar a simbiose entre a componente científica de uma anatomia arbórea e a inspiração artística da Marisa Benjamim. Para memória póstuma das árvores considerámos parâmetros dendrométricos e aspetos da biomecânica das árvores através da realização de sondagens com um resistógrafo na extensão do diâmetro total do tronco.  Sabemos que os elementos arbóreos do Carvalho-alvarinho derivam do exemplar majestoso que estava há alguns séculos no parque Aquilino Ribeiro e que fomos monitorizando ao longo dos anos até à sua queda, por causas naturais, fruto de um avançado estado de degradação no tronco, em novembro de 2020.

A Tilia-prateada proveniente do Fontelo, muito provavelmente, padeceu de um fenómeno típico desta espécie que se apelida casca inclusa e ocorre em zonas de bifurcação com uma ligação estrutural fraca, fruto de uma falha na consolidação, e que em ramos de grande diâmetro aumenta a probabilidade de rutura.

Olhando com pormenor o tronco do Carvalho-alvarinho no seu cerne apresenta-se castanho-escuro de contorno regular e definido com o borne de tom branco-amarelado. A anatomia revela camadas de crescimento distintas, especialmente no cerne, pela variação destacada no diâmetro dos poros de outono para os de primavera. Os vasos de primavera muito grandes, circulares a ovais, solitários, de parede medianamente espessa e quase totalmente oclusos por tilos, no cerne. Os de outono mais pequenos, de contorno mais ou menos poligonal, formando bandas radiais que alargam, em leque, para a extremidade do anel em crescimento. É uma madeira com uma densidade de 710 kg/m3 e uma dureza alta com um cerne de boa durabilidade e o borne sensível.

A Faia-europeia de cor amarelo-dourada, sem cerne distinto possui uma medula pequena com camadas de crescimento visíveis e nítidas por tonalidades de cor.  É uma madeira moderadamente pesada (675 kg/m3) de secagem relativamente lenta e delicada pela forte anisotropia (fendimentos e empenos). É particularmente sensível ao ataque de fungos cromogéneos e lenhívoros, que se desenvolvem rapidamente no borne, muitas vezes ainda na natureza.  A Tilia-prateada apresenta uma madeira amarela-rosada, sem cerne distinto. Apresenta camadas de crescimento moderadamente distintas por uma linha de tecido mais claro ao nível da separação de dois crescimentos contínuos cujas zonas de primavera e outono apenas são notadas por ligeira variação de cor. Madeira muito leve (470 kg/m3), dureza branda e textura muito suave e fraca. Revela uma secagem rápida e elevada e possui vulnerabilidade ao ataque de fungos e insetos.

É sobre estes materiais naturais com histórias e propriedades diversas que a artista plástica Marisa Benjamim criou a sua perspetiva “Resilient Gardens”, traduzindo em arte a cronologia gravada no cerne destes exemplares que refletem a memória dos jardins e parques da cidade Viseu, apelidada Cidade-Jardim das Beiras.

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