O cardo é olhado, hoje, numa
perspetiva mais competente do que era quando iniciamos o projeto CARDOP em 2010
num percurso que a Gazeta Rural acompanhou literalmente desde início. Na
altura, através de uma candidatura ao projeto PRODER, iniciamos este percurso
com a valorização dos recursos genéticos através da instalação de um campo na Escola
Superior Agrária de Viseu com base em plantas que existiam na região demarcada
do Queijo Serra da Estrela e que vieram a revelar-se com uma biodiversidade
morfológica e bioquímica muito bem adaptada às condições edafo-climáticas do
CENTRO. Fizemos esta aposta na altura certa porque muitos desses recursos
genéticos de cardo vieram a perder-se nos locais de origem onde os recolhemos
em estado natural. Contudo, na minha opinião o cardo ainda está muito longe de
ser considerado um recurso de futuro no CENTRO porque ainda nem foi reconhecido
como ingrediente de crucial importância pela maioria daqueles que mais poderiam
beneficiar com ele, os produtores de Queijos DOP do centro que são obrigados a
usar o cardo como extrato coagulante para cumprir as exigências dos respetivos
cardernos de encargo. Não há uma obrigatoriedade explícita que o cardo tenha
que ser oriundo das regiões de denominação de origem, mas à semelhança do sal
seria uma estratégia muito inteligente garantirmos no CENTRO a produção de
todos os ingredientes, não deixando ao livre arbítrio de outros o controle de
produção e qualidade de todos os ingredientes, o leite incluído. Obviamente que
há honrosas exceções que apostaram neste trabalho desde a primeira hora, como é
o caso da Casa da Insua, pela mão do Eng. José Matias que tem beneficiado de
forma muito inteligente e competente e outros como a Queijaria de Germil que já
tinham assegurada a autonomia de produção de flor de cardo para a produção dos
seus queijos de exceção. Não podemos dar por adquirido que temos o cardo que
queremos e que necessitamos, nem em termos de quantidade nem de qualidade. Continuamos
a trilhar os nossos propósitos em parceria com os produtores para entendermos,
alguma da variabilidade que não conseguimos ainda controlar de todo, quer ao
nível do leite quer ao nível da flor cardo. Mas não tenho dúvidas que hoje
temos um conhecimento técnico-científico muito mais abalizado sobre o potencial
dos genótipos e ecótipos selecionados que temos colocado ao dispor dos
produtores. Atualmente existem um conjunto de projetos que estão, direta ou
indiretamente, relacionados com os queijos do CENTRO mas que se têm esquecido
de garantir a qualidade da produção da flor. Esse trabalho, não visível, tem
sido realizado de forma voluntária e graciosa por um grupo que lidero e que
incluir colegas e alunos da Escola Superior Agrária, para além dos formandos da
APPACDM-Viseu e de reclusos do Estabelecimento Prisional. Este ano plantamos
10000 plantas selecionadas de cardo na região que as produzimos fruto de uma
parceria com a Brasplant. Em dezembro passado deu-se um passo importante para a
valorização do cardo como um todo com a realização em Beja do I Simpósio do
Cardo como corolário de um projeto de grande escala levado a cabo pelo CEBAL em
colaboração com outras instituições do Alentejo e muito bem coordenado pela
colega Fátima Duarte. Nesse momento juntaram-se um conjunto de investigadores
de renome mundial que em Portugal têm desenvolvido um trabalho notável em torno
do cardo, como sejam o caso do Prof. Jorge Gominho (ISA), Prof. Pedro Louro
(INIAVE), para além de todos aqueles que integraram o projeto VALBIOTECYNARA.
Este Simpósio tinha como objetivo avaliar aquilo que poderá vir a constituir
como um novo desígnio para o cardo, assim saibamos aproveitar as aberturas
políticas e as valências científicas e institucionais.
A lição plenária do congresso foi
proferida em jeito de homenagem pelo Prof. Euclides Pires, o percursor,
promotor, ativador que permitiu todo o processamento que se tem criado à volta
do cardo com particular ênfase para a sua flor. Na qualidade ímpar de contador de
histórias deu-nos uma perspetiva abrangente, atual e assertiva sobre o cardo,
juntando à força da palavra o sentimento do gesto, numa alocução plena da
simbiose das linguagens e das mensagens. Defendeu que “Há muito mais
biodiversidade do que aquela que julgamos conhecer!”. Entretanto, temos
congregado, para além da ESAV, UCatólica, UCoimbra, Biocant, muito
investigadores de outras instituições, designadamente da Universidade do Porto,
do Centro de Montanha do IPB, e dentro do próprio Instituto Politécnico de
Viseu, como é o caso do Departamento das Madeiras que nos têm permitido conhecer
mais em pormenor o potencial da multifuncionalidade desta planta de exceção. Em
Abril próximo serão apresentadas novidades na feira do Mobiliário de Milão sobre
a valorização de uma biomassa que tem características muito particulares e que
nos permitem criar conceitos que envolvam material leve, resistente, com
compostos bioactivos e óleo com vocação alimentar entre outros que acreditamos
possam resultar num sucesso também para a produção de embalagens inteligentes.
O Comissário Europeu da Investigação Científica e da Inovação, Eng. Carlos
Moedas deu nota da multifuncionalidade do cardo como planta de futuro no
lançamento do programa de Bioeconomia 2020, atendendo às suas vocações e ao
rumo das alterações climáticas Foi pena que apenas tivesse dado o exemplo da
Novamonte na Sicilia e não tenha referido qualquer um dos queijos DOP de
exceção que produzimos em Portugal com recursos ao uso do extrato de flor de
cardo e que remete para o Biotecnologia de mais fino recorte. Por último,
plantamos recentemente um novo campo de cardo na Quinta da Alameda, um
investimento pessoal do Luís Abrantes, como cultura que procure rentabilizar
espaços menos nobres das quintas do Dão e cujas folhas possam vir a ser usadas
na produção de extratos com propriedades antifúngica, especialmente na vinha e
que a breve trecho teremos novidades de um estudo aprofundado que estamos a
realizar. Estes são apenas alguns dos desafios que se colocam ao cardo num
futuro próximo e sobre os quais temos ideias e parceiros muito bem definidos e
sentimos que todos os dias podemos aprender criando sinergias entre as diversas
formas de biomassa desta cultura com aplicações claramente inovadoras e de
futuro respeitando o ambiente e a “bioechonomia” em proximidade!
Paulo Barracosa
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