domingo, 17 de fevereiro de 2019

O Cardo no CENTRO…das Atenções


http://gazetarural.com/2019/02/15/gazeta-rural-n-o-333-15-fevereiro-2019/


O cardo é olhado, hoje, numa perspetiva mais competente do que era quando iniciamos o projeto CARDOP em 2010 num percurso que a Gazeta Rural acompanhou literalmente desde início. Na altura, através de uma candidatura ao projeto PRODER, iniciamos este percurso com a valorização dos recursos genéticos através da instalação de um campo na Escola Superior Agrária de Viseu com base em plantas que existiam na região demarcada do Queijo Serra da Estrela e que vieram a revelar-se com uma biodiversidade morfológica e bioquímica muito bem adaptada às condições edafo-climáticas do CENTRO. Fizemos esta aposta na altura certa porque muitos desses recursos genéticos de cardo vieram a perder-se nos locais de origem onde os recolhemos em estado natural. Contudo, na minha opinião o cardo ainda está muito longe de ser considerado um recurso de futuro no CENTRO porque ainda nem foi reconhecido como ingrediente de crucial importância pela maioria daqueles que mais poderiam beneficiar com ele, os produtores de Queijos DOP do centro que são obrigados a usar o cardo como extrato coagulante para cumprir as exigências dos respetivos cardernos de encargo. Não há uma obrigatoriedade explícita que o cardo tenha que ser oriundo das regiões de denominação de origem, mas à semelhança do sal seria uma estratégia muito inteligente garantirmos no CENTRO a produção de todos os ingredientes, não deixando ao livre arbítrio de outros o controle de produção e qualidade de todos os ingredientes, o leite incluído. Obviamente que há honrosas exceções que apostaram neste trabalho desde a primeira hora, como é o caso da Casa da Insua, pela mão do Eng. José Matias que tem beneficiado de forma muito inteligente e competente e outros como a Queijaria de Germil que já tinham assegurada a autonomia de produção de flor de cardo para a produção dos seus queijos de exceção. Não podemos dar por adquirido que temos o cardo que queremos e que necessitamos, nem em termos de quantidade nem de qualidade. Continuamos a trilhar os nossos propósitos em parceria com os produtores para entendermos, alguma da variabilidade que não conseguimos ainda controlar de todo, quer ao nível do leite quer ao nível da flor cardo. Mas não tenho dúvidas que hoje temos um conhecimento técnico-científico muito mais abalizado sobre o potencial dos genótipos e ecótipos selecionados que temos colocado ao dispor dos produtores. Atualmente existem um conjunto de projetos que estão, direta ou indiretamente, relacionados com os queijos do CENTRO mas que se têm esquecido de garantir a qualidade da produção da flor. Esse trabalho, não visível, tem sido realizado de forma voluntária e graciosa por um grupo que lidero e que incluir colegas e alunos da Escola Superior Agrária, para além dos formandos da APPACDM-Viseu e de reclusos do Estabelecimento Prisional. Este ano plantamos 10000 plantas selecionadas de cardo na região que as produzimos fruto de uma parceria com a Brasplant. Em dezembro passado deu-se um passo importante para a valorização do cardo como um todo com a realização em Beja do I Simpósio do Cardo como corolário de um projeto de grande escala levado a cabo pelo CEBAL em colaboração com outras instituições do Alentejo e muito bem coordenado pela colega Fátima Duarte. Nesse momento juntaram-se um conjunto de investigadores de renome mundial que em Portugal têm desenvolvido um trabalho notável em torno do cardo, como sejam o caso do Prof. Jorge Gominho (ISA), Prof. Pedro Louro (INIAVE), para além de todos aqueles que integraram o projeto VALBIOTECYNARA. Este Simpósio tinha como objetivo avaliar aquilo que poderá vir a constituir como um novo desígnio para o cardo, assim saibamos aproveitar as aberturas políticas e as valências científicas e institucionais.
A lição plenária do congresso foi proferida em jeito de homenagem pelo Prof. Euclides Pires, o percursor, promotor, ativador que permitiu todo o processamento que se tem criado à volta do cardo com particular ênfase para a sua flor. Na qualidade ímpar de contador de histórias deu-nos uma perspetiva abrangente, atual e assertiva sobre o cardo, juntando à força da palavra o sentimento do gesto, numa alocução plena da simbiose das linguagens e das mensagens. Defendeu que “Há muito mais biodiversidade do que aquela que julgamos conhecer!”. Entretanto, temos congregado, para além da ESAV, UCatólica, UCoimbra, Biocant, muito investigadores de outras instituições, designadamente da Universidade do Porto, do Centro de Montanha do IPB, e dentro do próprio Instituto Politécnico de Viseu, como é o caso do Departamento das Madeiras que nos têm permitido conhecer mais em pormenor o potencial da multifuncionalidade desta planta de exceção. Em Abril próximo serão apresentadas novidades na feira do Mobiliário de Milão sobre a valorização de uma biomassa que tem características muito particulares e que nos permitem criar conceitos que envolvam material leve, resistente, com compostos bioactivos e óleo com vocação alimentar entre outros que acreditamos possam resultar num sucesso também para a produção de embalagens inteligentes. O Comissário Europeu da Investigação Científica e da Inovação, Eng. Carlos Moedas deu nota da multifuncionalidade do cardo como planta de futuro no lançamento do programa de Bioeconomia 2020, atendendo às suas vocações e ao rumo das alterações climáticas Foi pena que apenas tivesse dado o exemplo da Novamonte na Sicilia e não tenha referido qualquer um dos queijos DOP de exceção que produzimos em Portugal com recursos ao uso do extrato de flor de cardo e que remete para o Biotecnologia de mais fino recorte. Por último, plantamos recentemente um novo campo de cardo na Quinta da Alameda, um investimento pessoal do Luís Abrantes, como cultura que procure rentabilizar espaços menos nobres das quintas do Dão e cujas folhas possam vir a ser usadas na produção de extratos com propriedades antifúngica, especialmente na vinha e que a breve trecho teremos novidades de um estudo aprofundado que estamos a realizar. Estes são apenas alguns dos desafios que se colocam ao cardo num futuro próximo e sobre os quais temos ideias e parceiros muito bem definidos e sentimos que todos os dias podemos aprender criando sinergias entre as diversas formas de biomassa desta cultura com aplicações claramente inovadoras e de futuro respeitando o ambiente e a “bioechonomia” em proximidade!
Paulo Barracosa

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