Itinerâncias de um Geogógrafo
https://www.youtube.com/watch?v=mQyvkmMvKYA
Para este batismo
radiofónico, resolvi sair do meu espaço de conforto e entrar na área da
geografia física e humana, ou melhor na sua síntese fazendo jus à crónica que
pretendo ir desenvolvendo na “mesa do canto” que intitulei “Raízes, Querenças e
Achegas”. Esta escolha assenta na lógica de querer conhecer mais e melhor do “ecossistema”
onde vivo, na sua morfologia, fisiologia, dinâmicas e nas relações de
interdependência que se estabelecem entre os lugares, os factos e as pessoas.
Esta aprendizagem é para mim crucial, porque não fui nado nem criado em Viseu,
mas que a tenho como cidade adotiva há mais de 20 anos e que é “berço” das minhas
filhas.
Não pretendo ter rasgos
de inteligência, nem procuro influenciar com a minha visão das coisas, apenas
gosto rasgar no sentido do arriscar, não apenas ir contra corrente, mas por
vezes ajudar a alimentar a corrente. Nesse sentido, podendo não ser uma escolha
óbvia, mas de modo algum contra natura, elegi Orlando Ribeiro (1991-1997) como
o primeiro mestre a quem pretendo prestar homenagem e com quero aprender a
geografia da cidade, da região de uma forma sistémica e integrada, a par de
outros que tão bem a interpretaram como Amorim Girão. Porque para
desenvolvermos todos os “quereres” temos que conhecer muito bem as raízes que
são os esteios que alicerçaram todo este cenário.
A escolha de Orlando
Ribeiro, incidiu no facto dele considerar-se um Naturalista por ser um
observador escrupuloso da natureza. Conhecer a sua obra notável “Portugal, o
Mediterrâneo e o Atlântico” é um elemento inspirador para definir a Marca
Portugal nas suas mais variadas vertentes. Depois, porque o vejo muito pouco
associado à cidade de Viseu quando, nas suas palavras, o seu avô materno
Augusto Carvela oficial do Exército, cujas origens remontam a Viseu, terá sido
um dos grandes inspiradores para que Orlando Ribeiro tivesse seguido a
geografia como área de estudo. Foi na companhia do avô que teve os primeiros
contactos com o campo, em Runa (Almada) e Viseu, de onde a família era
originária e onde vinha passar férias. "Tudo lugares onde o campo está
perto, onde era possível estar só, passear por sítios aprazíveis, apanhar
amoras e, na beira dos caminhos, cortar canas para fazer brinquedos",
contou nos seus escritos (Memórias de Um Geógrafo, 2003). "O gosto da
geografia devo-o ao amor da natureza e da vida do campo, desenvolvido em longos
passeios a pé", continuava. "A partir destas recordações de infância,
sinto-me profundamente enraizado na vida obscura do meu povo. Criado entre
gente simples e humilde, fiquei sempre fiel às origens, ao gosto de uma vida
sóbria (...).
Era um homem fiel às
origens que apelava com frequência às recordações de infância. Quando temos
memórias de infância temos uma enorme fortuna, conhecemos o curso das nossas
raízes, das nossas inspirações, dos nossos princípios, ideais e que podem
servir de inspiração para outros, alunos e muito em especial para transmitir
aos filhos, aqueles a quem naturalmente queremos dar o melhor.
Viseu foi a primeira
cidade portuguesa objeto dum estudo geográfico (Aristides de Amorim Girão,
1925), num trabalho meritório que ficou por muito tempo único entre nós no
domínio da geografia urbana. Estudo que guiou Orlando Ribeiro nos seus
primeiros passos na compreensão evolutiva duma aglomeração modesta pelas
dimensões mas diferenciada na estrutura, nas fases de desenvolvimento e nas
funções que exerce como centro duma região densamente povoada e de intensa,
posto que descontínua, ocupação agrária. Quarenta anos volvidos, volta a
atrair-se de novo por esta cidade pequena mas singularmente animada conservando
grande parte do casco antigo, renova o centro e desenrola na periferia bairros
em pleno desenvolvimento.
O geógrafo Orlando
Ribeiro de quem sua esposa Suzanne Daveau, também geógrafa, dizia ser "um
homem que facilmente se emocionava com as paisagens". Talvez por isto seja
hora da cidade retribuir o seu reconhecimento a Orlando Ribeiro dando-o a
conhecer melhor à cidade e a uma das regiões que lhe serviu de inspiração. Na relação
entre Orlando Ribeiro e Aquilino Ribeiro (Geografia Sentimental), apenas
referir que Orlando leu muito Aquilino e que achava divertido o seu vernáculo.
Orlando tinha uma sensibilidade
estética, poética e artística. Diante dos impressionistas, como Manet, Monet,
Van Gogh dissertava com Ilidio Amaral sobre conceitos de paisagem, da forma
como eles se recusaram a ver como objeto imutabilizado na fotografia, para
substituir isso pela análise sensorial de formas em evolução constante, sobre a
utilização das cores em novas paletas cromáticas e composições caleidoscópicas,
sobre a distorção de figuras humanas para se penetrar no complicado jogo de
inter-relações de aspetos físicos e mentais.
Considerava-se um naturalista
Amador e um observador escrupuloso da Natureza...