...A cidade de
Beja, o CEBAL e o Instituto Politécnico de Beja foram, seguramente, o local
de eleição para a realização do Primeiro Simpósio Nacional dedicado ao
Cardo, por toda a dinâmica desenvolvida em torno desta espécie, pela capacidade
e know-how instalados e pela sinergia
que tem conseguido incutir entre atores científicos, tecnológicos, produtivos e
políticos. Tenho assistido à distância, mas com grande interesse, todo este
percurso e por isso é um motivo de orgulho ver concretizada esta realização e
confesso mesmo alguma emoção por fazer parte deste momento histórico que todos
acreditamos poder constituir um novo começo para o incentivo da produção e
valorização do cardo, nas suas mais variadas vertentes.
Qualquer evento
tem a sua sessão de abertura onde são convidados os mais altos signatários das
instituições que colaboram no projeto, para além de poderem ser convidados
outros elementos que se possam assumir como mobilizadores de futuro face aos
objetivos que se pretendem alcançar com estas realizações. Tenho assistido, ao
longo dos tempos, a uma desvalorização de atos desta natureza que, em vez de
inspiradores, se tornam meros atos protocolares com tudo o que possam ter de mais
banal. Não que o tenha sentido neste caso, até porque este é um projeto
muito especial que soube adequar a dimensão e a multidisciplinariedade da
equipa à importância do tema para toda uma região e um Pais. A história relatada pelo
Presidente do IPBeja reflete que o cardo, à semelhança dos cogumelos silvestres
e de outros recursos endógenos, é tido como um recursos de todos, sem regras
nem ditames e isso é um sério obstáculo à criação de uma história que o ajude a
valorizar enquanto produto de referência e marca regional. Continua-se a procurar desvalorizar o cardo, até por uma parte do setor produtivo do queijo, para que um dia se possa substituir este "elemento mágico" por uma outra coisa que, seguramente, não será nem de longe nem de perto capaz de produzir queijos de exepção a que nos habituamos e que cada vez mais são mais raros. O cardo é um ingrediente e deve ser tratado como tal, e como todos os ingredientes de elevada qualidade custam a produzir. Não se podem aparecer como se nada custassem a produzir e colher. Façamos um pequeno exercício! Pensemos que o cardo vale 10 cêntimos num queijo de 20 euros se esse cardo fosse de grande qualidade e comercializado a 100 Euros/Kg. E estou certo que não custaria mais do que custa hoje muita da "palha" que para lá metem. Este estado de coisas seguramente interessa a alguém e para alterar esta "cultura" e modo de estar será preciso mudar muita coisa e isso demorará o seu tempo. Eu acredito que o cardo será mais valorizado por outras vertentes e que depois o setor do queijo reconhecerá o verdadeiro papel do cardo, quando na verdade são os primeiros beneficiários. É claro que há produtores que já o fazem, mas são uma pequena maioria, embora sejam claramente os mais distintos. Este projeto tem procurado fazer esse papel e também é certo que os projetos científicos têm que ter dotação para fazerem divulgação pelos canais de informação, sem termos que pedir favores e podermos contar as histórias que podem ajudar a valorizar o setor. A ciência não serve apenas para "chatear" os produtores, pode servir também de alavanca, desde que eles o queiram, os investigadores tenham essa preocupação e vocação e as entidades financiadoras o entendam como essencial.
A Fátima Duarte,
a “arquiteta” de todo este cenário, com a sua vasta e competente equipa demonstrou
por A mais B a razão do sucesso do ValBioTecCYNARA que se traduz nos
indicadores objetivos relativos ao número de bolseiros, artigos, comunicações,
patentes, teses,.... Há contudo, imenso do trabalho de retaguarda que se torna difícil
quantificar e traduzir, mas que de uma forma sabia tem vindo a ser mostrado até
em exposições e outras forma de cultura muito para além de ciência.
O primeiro
painel dedicado ao Potencial da Flor do Cardo e à sua Aptidão Tecnológica foi
moderado pelo Doutor Pedro Louro (INIAV)
um especialista nas questões tecnológicas relacionadas com os Queijos DOP
Portugueses, particularmente daqueles que usam cardo no seu processo de
coagulação, coadjuvado pelo Eng. João Madanelo na qualidade de um conhecedor profundo da
realidade da fileira do Queijo Serra da Estrela. A simbiose da ciência com a
técnica foi um “casamento feliz” que a organização pretendeu estabelecer em
todos os Painéis sendo que, na maioria dos casos, percebemos que os
representantes desta ciência conhecem muito bem a realidade da produção e os
técnicos da produção têm vastos conhecimentos da ciência que lhes interessa
para resolverem os desafios do dia-a-dia. O Pedro abriu as “hostilidades” ao
jeito da glória do Laurus nobilis,
com uma apresentação de tamanha densidade que só por si daria para estarmos
dois dias a discuti-la e isso sentiu-se na discussão do painel que apetecia não
ter fim pelo tema tão desafiante que era.
O Nuno Rosa (UC-Católica/Salivatec), em representação do grupo liderado pela Prof. Doutora Marlene Barros, com 30
anos de experiência em Cardosinas, realçou a razão da escolha natural
deste grupo de investigação para integrar o projeto. A responsabilidade era
muita, um pouco na lógica de procurar descodificar a informação transmitida na
comunicação do Pedro Louro, intitulada “Caracterização tecnológica de
populações de cardo (Cynara cardunculus
L.) da região do Alentejo”. Não tendo ficado clara a estreita ligação entre os
dois expoentes, acredito que em breve isso será uma realidade para que,
finalmente, se possa perceber ao pormenor todas estas interacções relacionadas com o
potencial tecnológico das cardosinas em queijos de leite inteiro crú e muito em
particular nestes do Alentejo.
O André Folgado
do ITQB apresentou um modelo alternativo na produção de Proteases aspárticas
de Cynara cardunculus L., um pouco ao
jeito biotecnológico mais evoluído que conhecemos e que está a fazer o seu
caminho paralelamente à biotecnologia associada à biodiversidade natural da
flor de cardo. Cada mercado potencial, seja industrial ou comercial, avaliará os
méritos de cada um dos processos e estratégias optando por aqueles que
economicamente e tecnologicamente melhor respondam aos propósitos dos seus produtos e conceitos de marcas para vingarem nos mercados. É muito útil que, independentemente de defendermos a flor como alma mater, estejamos
suficientemente despertos e atentos para estas inovações tecnológicas, às quais
reconhecemos enormes méritos e que, seguramente, nos ajudarão a progredir melhor
e mais depressa, mesmo para aqueles que privilegiem a natureza como fonte inspiração.
Eu, PB (ESAV-IPV), na qualidade de generalista, apenas procurei mostrar o longo caminho que ainda temos que percorrer para conseguirmos tirar
toda a “Alma à flor do Cardo”. Já fizemos mil anos de história depois de
Columella, e este já terá ido beber a algum antecessor que não plasmou em
escrito a razão pela qual se lembrou de usar a flor do cardo como fonte do
milagre da coagulação, quando o leite de figo já era comum até no tempo de
Varrão anterior a Columella.
Entre Painéis
fizemos uma degustação das infusões da Isabel Horta da Erva-Doce com uma Prova de Queijos (Ensaio de Produção do Projeto ValBioTecCynara - DOP
Évora e DOP NISA). Realço o cuidado extremo colocado pelo CEBAL na escolha dos produtores que têm vindo a integrar no Projeto, sejam produtores de queijo, ou outros, incluindo produtores de cardo, muito pela sensibilidade da Fátima Duarte. A Isabel da
ERVA DOCE que reside na Salvada, uma terra que aposta nas crianças, é um desses exemplos, cujo seu apelido "Horta" não
deixa mentir. Entretanto, fez-me lembrar a história contada pelo Luís Abrantes
do seu grande Amigo de Beja, com o "vulgar e frequente" apelido de família "Água-Doce Engrossa" e com
o qual já estava a apreciar as delicias do Mestre Cacau, em Beja, mais umas das empresas de referência no projeto, depois de
uma viagem relâmpago desde Viseu.
Entramos pelo segundo
Painel intitulado "A Flor de cardo na produção dos queijos DOP Alentejo,
Serpa, Évora e Nisa" todos devidamente orientados de acordo com os pontos
cardeais o Serpa a Sul, o Évora e Este e o Nisa a Norte. E eu confesso que apenas ouvi o Bartolomeu e que com muita
pena minha não ouvi a Cristina Pinheiro nem o João Dias com os quais tanto ia...e irei aprender. Mas ouvi o Nuno Cavaco da Queijaria Almocreva que o MEC fez questão de usar como porta estandarte na crónica de Domingo no Público intitulada "Grandes Alentejanos". E esta publicidade não foi paga, mas se lhe tivessem sugerido, talvez o Miguel tivesse vindo a Beja testemunhar in loco aquilo que ninguém o obriga a fazer. Dizer bem por dizer! O MEC iria ter a oportunidade de nos mostrar como se contam histórias tendo por base a diversidade dos queijos e o seu dom de d´Escrever os mais exaltantes aromas e sabores com um conhecimento feito pela prática e pelo tempo exigido numa degustação. E quiçá ler-nos o poema "Foram prosas foram cardos" da sua autoria. Numa próxima não se esqueçam de o convidar! Dizia eu que não consegui ouvi-los, à Cristina e ao João, não por
desrespeito, mas porque entretanto tinha chegado o Luís Abrantes da Movecho que
nem sabia ao que vinha, mas que eu tinha a grande esperança que pudesse ser o nosso
maior crítico para podermos ver se guindamos o cardo ao sucesso que ele merece. Eu tinha
que ajudar a preparar cada minuto da sua estada porque eram escassos e eram muito aqueles que
queriam falar com ele e outros que eu gostaria de apresentar-lhe. Por
curiosidade, a Movecho tem várias patentes na cortiça e o CEBAL foi a
instituição que liderou a sequenciação do Sobreiro (Quercus suber L.) em Portugal. Esta é uma coincidência feliz que pode vir a
perspetivar colaborações futuras porque a ciência pode ajudar questões de
índole comercial, assim como a indústria é cada vez mais fundamental para o
sucesso da investigação aplicada, muito em especial nestes novos programas da Bioeconomia 2020 que no caso da Movecho é BioECHOnomia. O Cebal acabou de candidatar o seu novo edifício a financiamento,
que deve traduzir, em pormenores de arquitetura e design, o percurso histórico
da instituição mas também o seu futuro que se quer enraizado na região e na
cultura do baixo Alentejo. E aqui surje o Cante Alentejano como elemento forte
e o Canta autor que nos embalou com a brisa pura dos sons inspirados no Alentejo
enquanto brindávamos ao sucesso do primeiro dia com vinho Touriga-Nacional,
cujas vinhas foram tratadas exclusivamente com cardo na APPACDM-Viseu, pela Cerveja de cardo
Poliglota e novamente pelas infusões da ERVA DOCE que acompanharam a maravilha do Cardo
confitado com cobertura de chocolate negro do Mestre Cacau e a tarte de cardo
da Cynatura. Tudo isto na "galeria ao lado" numa espécie de "poesia muda" onde acredito que o cardo se venha a tornar uma "pintura poética" adoptado pelo Museu Botânico do IPBeja e apadrinhado pelo CEBAL.
Depois seguiu-se
o jantar no Espelho de Água, com a boa comida alentejana, incluindo as Migas,
acompanhadas pelos vinhos Reserva, Jaen e Super Reserva da Quinta da Alameda
(DÃO) que nem se aperceberam como chegaram a Beja num ápice pela mão do Luís Abrantes. Tive o privilégio e o enorme prazer de me sentar ao lado do Prof. Jorge Gominho que considero aquele que, neste momento, mais pode ter a dizer sobre como devemos explorar a multifuncionalidade do cardo, face ao seu percurso, conhecimento e prática. Isso veio a comprovar-se no segundo dia e por isso coloquei-o frente a frente com o Luís Abrantes, o "compulsivo renitente"... até que se prove o contrário!
A conversa agradável e profícua
prolongou-se pela noite dentro, porque a jorna era de trabalho e não propriamente
um Safari....em Beja!
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