segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Impressões de um Simpósio (Tomo I), ou eu tenho a séria Impressão que...



...A cidade de Beja, o CEBAL e o Instituto Politécnico de Beja foram, seguramente, o local de eleição para a realização do Primeiro Simpósio Nacional dedicado ao Cardo, por toda a dinâmica desenvolvida em torno desta espécie, pela capacidade e know-how instalados e pela sinergia que tem conseguido incutir entre atores científicos, tecnológicos, produtivos e políticos. Tenho assistido à distância, mas com grande interesse, todo este percurso e por isso é um motivo de orgulho ver concretizada esta realização e confesso mesmo alguma emoção por fazer parte deste momento histórico que todos acreditamos poder constituir um novo começo para o incentivo da produção e valorização do cardo, nas suas mais variadas vertentes.
Qualquer evento tem a sua sessão de abertura onde são convidados os mais altos signatários das instituições que colaboram no projeto, para além de poderem ser convidados outros elementos que se possam assumir como mobilizadores de futuro face aos objetivos que se pretendem alcançar com estas realizações. Tenho assistido, ao longo dos tempos, a uma desvalorização de atos desta natureza que, em vez de inspiradores, se tornam meros atos protocolares com tudo o que possam ter de mais banal. Não que o tenha  sentido neste caso, até porque este é um projeto muito especial que soube adequar a dimensão e a multidisciplinariedade da equipa à importância do tema para toda uma região e um Pais. A história relatada pelo Presidente do IPBeja reflete que o cardo, à semelhança dos cogumelos silvestres e de outros recursos endógenos, é tido como um recursos de todos, sem regras nem ditames e isso é um sério obstáculo à criação de uma história que o ajude a valorizar enquanto produto de referência e marca regional. Continua-se a procurar desvalorizar o cardo, até por uma parte do setor produtivo do queijo, para que um dia se possa substituir este "elemento mágico" por uma outra coisa que, seguramente, não será nem de longe nem de perto capaz de produzir queijos de exepção a que nos habituamos e que cada vez mais são mais raros. O cardo é um ingrediente e deve ser tratado como tal, e como todos os ingredientes de elevada qualidade custam a produzir. Não se podem aparecer como se nada custassem a produzir e colher. Façamos um pequeno exercício! Pensemos que o cardo vale 10 cêntimos num queijo de 20 euros se esse cardo fosse de grande qualidade e comercializado a 100 Euros/Kg. E estou certo que não custaria mais do que custa hoje muita da "palha" que para lá metem. Este estado de coisas seguramente interessa a alguém e para alterar esta "cultura" e modo de estar será preciso mudar muita coisa e isso demorará o seu tempo. Eu acredito que o cardo será mais valorizado por outras vertentes e que depois o setor do queijo reconhecerá o verdadeiro papel do cardo, quando na verdade são os primeiros beneficiários. É claro que há produtores que já o fazem, mas são uma pequena maioria, embora sejam claramente os mais distintos. Este projeto tem procurado fazer esse papel e também é certo que os projetos científicos têm que ter dotação para fazerem divulgação pelos canais de informação, sem termos que pedir favores e podermos contar as histórias que podem ajudar a valorizar o setor. A ciência não serve apenas para "chatear" os produtores, pode servir também de alavanca, desde que eles o queiram, os investigadores tenham essa preocupação e vocação e as entidades financiadoras o entendam como essencial.

A Fátima Duarte, a “arquiteta” de todo este cenário, com a sua vasta e competente equipa demonstrou por A mais B a razão do sucesso do ValBioTecCYNARA que se traduz nos indicadores objetivos relativos ao número de bolseiros, artigos, comunicações, patentes, teses,.... Há contudo, imenso do trabalho de retaguarda que se torna difícil quantificar e traduzir, mas que de uma forma sabia tem vindo a ser mostrado até em exposições e outras forma de cultura muito para além de ciência.

O primeiro painel dedicado ao Potencial da Flor do Cardo e à sua Aptidão Tecnológica foi moderado pelo Doutor Pedro Louro (INIAV) um especialista nas questões tecnológicas relacionadas com os Queijos DOP Portugueses, particularmente daqueles que usam cardo no seu processo de coagulação, coadjuvado pelo Eng. João Madanelo na qualidade de um conhecedor profundo da realidade da fileira do Queijo Serra da Estrela. A simbiose da ciência com a técnica foi um “casamento feliz” que a organização pretendeu estabelecer em todos os Painéis sendo que, na maioria dos casos, percebemos que os representantes desta ciência conhecem muito bem a realidade da produção e os técnicos da produção têm vastos conhecimentos da ciência que lhes interessa para resolverem os desafios do dia-a-dia. O Pedro abriu as “hostilidades” ao jeito da glória do Laurus nobilis, com uma apresentação de tamanha densidade que só por si daria para estarmos dois dias a discuti-la e isso sentiu-se na discussão do painel que apetecia não ter fim pelo tema tão desafiante que era.

O Nuno Rosa (UC-Católica/Salivatec), em representação do grupo liderado pela Prof. Doutora Marlene Barros, com 30 anos de experiência em Cardosinas, realçou a razão da escolha natural deste grupo de investigação para integrar o projeto. A responsabilidade era muita, um pouco na lógica de procurar descodificar a informação transmitida na comunicação do Pedro Louro, intitulada “Caracterização tecnológica de populações de cardo (Cynara cardunculus L.) da região do Alentejo”. Não tendo ficado clara a estreita ligação entre os dois expoentes, acredito que em breve isso será uma realidade para que, finalmente, se possa perceber ao pormenor todas estas interacções relacionadas com o potencial tecnológico das cardosinas em queijos de leite inteiro crú e muito em particular nestes do Alentejo.

O André Folgado do ITQB apresentou um modelo alternativo na produção de Proteases aspárticas de Cynara cardunculus L., um pouco ao jeito biotecnológico mais evoluído que conhecemos e que está a fazer o seu caminho paralelamente à biotecnologia associada à biodiversidade natural da flor de cardo. Cada mercado potencial, seja industrial ou comercial, avaliará os méritos de cada um dos processos e estratégias optando por aqueles que economicamente e tecnologicamente melhor respondam aos propósitos dos seus produtos e conceitos de marcas para vingarem nos mercados. É muito útil que, independentemente de defendermos a flor como alma mater, estejamos suficientemente despertos e atentos para estas inovações tecnológicas, às quais reconhecemos enormes méritos e que, seguramente, nos ajudarão a progredir melhor e mais depressa, mesmo para aqueles que privilegiem  a natureza como fonte inspiração.

Eu, PB (ESAV-IPV), na qualidade de generalista,  apenas procurei mostrar o longo caminho que ainda temos que percorrer para conseguirmos tirar toda a “Alma à flor do Cardo”. Já fizemos mil anos de história depois de Columella, e este já terá ido beber a algum antecessor que não plasmou em escrito a razão pela qual se lembrou de usar a flor do cardo como fonte do milagre da coagulação, quando o leite de figo já era comum até no tempo de Varrão anterior a Columella.

Entre Painéis fizemos uma degustação das infusões da Isabel Horta da Erva-Doce com uma Prova de Queijos (Ensaio de Produção do Projeto ValBioTecCynara - DOP Évora e DOP NISA). Realço o cuidado extremo colocado pelo CEBAL na escolha dos produtores que têm vindo a integrar no Projeto, sejam produtores de queijo, ou outros, incluindo produtores de cardo, muito pela sensibilidade da Fátima Duarte. A Isabel da ERVA DOCE que reside na Salvada, uma terra que aposta nas crianças, é um desses exemplos, cujo seu apelido "Horta" não deixa mentir. Entretanto, fez-me lembrar a história contada pelo Luís Abrantes do seu grande Amigo de Beja, com o "vulgar e frequente" apelido de família "Água-Doce Engrossa" e com o qual já estava a apreciar as delicias do Mestre Cacau, em Beja, mais umas das empresas de referência no projeto, depois de uma viagem relâmpago desde Viseu.

Entramos pelo segundo Painel intitulado "A Flor de cardo na produção dos queijos DOP Alentejo, Serpa, Évora e Nisa" todos devidamente orientados de acordo com os pontos cardeais o Serpa a Sul, o Évora e Este e o Nisa a Norte. E eu confesso que apenas ouvi o Bartolomeu e que com muita pena minha não ouvi a Cristina Pinheiro nem o João Dias com os quais tanto ia...e irei aprender. Mas ouvi o Nuno Cavaco da Queijaria Almocreva que o MEC fez questão de usar como porta estandarte na crónica de Domingo no Público intitulada "Grandes Alentejanos". E esta publicidade não foi paga, mas se lhe tivessem sugerido, talvez o Miguel tivesse vindo a Beja testemunhar in loco aquilo que ninguém o obriga a fazer. Dizer bem por dizer! O MEC iria ter a oportunidade de nos mostrar como se contam histórias tendo por base a diversidade dos queijos e o seu dom de d´Escrever os mais exaltantes aromas e sabores com um conhecimento feito pela prática e pelo tempo exigido numa degustação. E quiçá ler-nos o poema "Foram prosas foram cardos" da sua autoria. Numa próxima não se esqueçam de o convidar! Dizia eu que não consegui ouvi-los, à Cristina e ao João, não por desrespeito, mas porque entretanto tinha chegado o Luís Abrantes da Movecho que nem sabia ao que vinha, mas que eu tinha a grande esperança que pudesse ser o nosso maior crítico para podermos ver se guindamos o cardo ao sucesso que ele merece. Eu tinha que ajudar a preparar cada minuto da sua estada porque eram escassos e eram muito aqueles que queriam falar com ele e outros que eu gostaria de apresentar-lhe. Por curiosidade, a Movecho tem várias patentes na cortiça e o CEBAL foi a instituição que liderou a sequenciação do Sobreiro (Quercus suber L.) em Portugal. Esta é uma coincidência feliz que pode vir a perspetivar colaborações futuras porque a ciência pode ajudar questões de índole comercial, assim como a indústria é cada vez mais fundamental para o sucesso da investigação aplicada, muito em especial nestes novos programas da Bioeconomia 2020 que no caso da Movecho é BioECHOnomia. O Cebal acabou de candidatar o seu novo edifício a financiamento, que deve traduzir, em pormenores de arquitetura e design, o percurso histórico da instituição mas também o seu futuro que se quer enraizado na região e na cultura do baixo Alentejo. E aqui surje o Cante Alentejano como elemento forte e o Canta autor que nos embalou com a brisa pura dos sons inspirados no Alentejo enquanto brindávamos ao sucesso do primeiro dia com vinho Touriga-Nacional, cujas vinhas foram tratadas exclusivamente com cardo na APPACDM-Viseu, pela Cerveja de cardo Poliglota e novamente pelas infusões da ERVA DOCE que acompanharam a maravilha do Cardo confitado com cobertura de chocolate negro do Mestre Cacau e a tarte de cardo da Cynatura. Tudo isto na "galeria ao lado" numa espécie de "poesia muda" onde acredito que o cardo se venha a tornar uma "pintura poética" adoptado pelo Museu Botânico do IPBeja e apadrinhado pelo CEBAL.

Depois seguiu-se o jantar no Espelho de Água, com a boa comida alentejana, incluindo as Migas, acompanhadas pelos vinhos Reserva, Jaen e Super Reserva da Quinta da Alameda (DÃO) que nem se aperceberam como chegaram a Beja num ápice pela mão do Luís Abrantes. Tive o privilégio e o enorme prazer de me sentar ao lado do Prof. Jorge Gominho que considero aquele que, neste momento,  mais pode ter a dizer sobre como devemos explorar a multifuncionalidade do cardo, face ao seu percurso, conhecimento e prática. Isso veio a comprovar-se no segundo dia e por isso coloquei-o frente a frente com o Luís Abrantes, o "compulsivo renitente"... até que se prove o contrário!
A conversa agradável e profícua prolongou-se pela noite dentro, porque a jorna era de trabalho e não propriamente um Safari....em Beja!

Seguir-se-á o Tomo II...relativo ao segundo dia...e do primeiro dia ainda muito ficou por contar!


















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