domingo, 24 de novembro de 2024
Soalheira...e World Cheese Award...um caso de estudo
terça-feira, 28 de maio de 2024
Viseu, um Território, os seus Recursos e as suas Gentes
Viseu ergue-se
no Centro de Portugal, como um anfiteatro rodeado por serras e cinzelado pelas
bacias hidrográficas do Vouga e Mondego, assumindo a cidade, o concelho e o
distrito uma localização de destaque no País, que se traduz na singular posição
levocárdia e forma cordiforme que ostenta. Curiosa, é a similitude curvilínea do
concelho no seu distrito, como uma ampliação refletida de um no outro, o que
enaltece a vocação que o concelho deve ter para com a sua envolvente no
projetar de um território para o mundo.
Sob a
inspiração dos episódios mais recentes estou absolutamente convencido que Viseu-região
pode vir a ter uma palavra de destaque neste
novo ordenamento conjuntural, independentemente dos novos equilíbrios que se
venham a estabelecer, no compromisso entre a preservação do ambiente e a
valorização da economia, em prol da coesão social e territorial e na promoção
de Portugal além fronteiras. Esta relação assemelha-se à interdependência de
uma célula com o seu núcleo que, apesar de ser o elemento onde tudo é ditado,
requer que todos os outros orquestrem em harmonia, para que a célula se assuma
como a unidade básica morfológica e fisiológica de um organismo como um todo.
A paisagem é, na verdade, um
sistema complexo que traduz a essência do território, permanentemente dinâmico,
fruto de uma interação espacial e temporal entre o homem e o ambiente, combinando aspetos naturais e culturais
que se influenciam simbioticamente ao longo do tempo e que expressam toda a
biodiversidade, labor, engenho, inovação e criatividade. A compreensão da paisagem implica, assim, o
conhecimento de fatores como a litologia, o relevo, os solos, a
hidrografia, o clima, a flora e a fauna, a
estrutura ecológica, o uso do solo e todas as expressões da atividade
humana. A paisagem, à qual
corresponde uma coerência nos processos e atividades naturais, históricas e
culturais, é assim considerada o resultado
visível da interação entre fatores
abióticos, bióticos e humanos, que variam segundo o lugar e o tempo, e
que contribuem para o genius loci. Esta combinação confere a cada
paisagem um determinado carácter que está continuamente em evolução, mas é
único para cada lugar, e tem um papel preponderante no estabelecimento e
promoção da sua identidade, cujos traços e formas de expressão permitem
reconstituir a sua génese e o seu papel funcional.
Figura – A identidade de uma paisagem
baseia-se na sua modelação biofísica, no mosaico agro-silvo-pastoril da
paisagem e nos padrões de uso e elementos culturais.
No mundo
viajado que alcanço, considero o distrito de Viseu, com os seus 5 mil km², um
dos raros exemplos onde, fruto de uma harmoniosa combinação de fatores naturais
e condições humanas, se congregou um naipe de excelência ao nível dos recursos
genéticos nas mais diversas áreas de produção agrícola, florestal e animal. Este
património genético delineado por agricultores e pastores através de laboriosos e criativos processos de
domesticação, traduz-se de forma natural numa panó
plia de iguarias gastronómicas
“de fazer crescer água na boca”, que nos remetem com memória para a alma dos
nossos egrégios avós. Na agricultura a diversidade de castas vinhateiras
autóctones possibilitam a existência de regiões demarcadas tão diversas quanto próximas
e algumas das variedades fruteiras ostentam honras de origem protegida. Nas
raças pecuárias, a região é um solar dedicado aos ovinos, uma espécie com
vocações múltiplas que incluem as produções leiteira, de carne e lanígera. Os
privilégios eram conferidos pela fertilidade que disseminavam no movimento
transumante, cuja prolificidade das raças revelam um hábil maneio e
domesticação que fazem jus aos méritos do pastor
Viriato. O leite produzido ao longo do alavão, de características ímpares na
dispersão untuosa das micelas de caseína, é traduzido traduz-se num ícone cujo
sabor e aroma ecoa como um ex-libris no mundo. O Queijo Serra da Estrela
traduz a identidade e essência de um território que faz crescer cervunais,
prados de gramíneas onde predomina o cervum (Nardus stricta), para
repasto de raças estrela que se amplificam no maneio dos pastores e nas mãos
das queijeiras. Na fauna piscícola dos rios apresenta-se um viveiro de espécies
que já mereciam que estes territórios tivessem reconhecido o devido apreço a
todo este potencial e que incluem as trutas, escalos, ruivacos, barbos,
achigãs, bogas e enguias. Acredito que algum dos moinhos de água, tão
característicos dos rios da região, poderia albergar um restaurante de
excelência vocacionado para esta área gastronómica onde possamos escutar,
simultaneamente, o som cristalino das águas no seu berço, enquanto apreciamos
os sabores fluviais que requerem águas batidas e frescas.
O concelho
de Viseu confina com dez outros concelhos adjacentes com características
físicas muito distintas que vão desde Dão-Lafões, Terras de Azurara, às Terras
do Demo e que condicionam de uma forma particular a identidade deste
território. É limitado a norte pelos concelhos de São Pedro do Sul, Castro
Daire e Vila Nova de Paiva, a este pelo Sátão e Penalva do Castelo, a sul por
Mangualde, Nelas, Carregal do Sal e Tondela e a oeste por Vouzela. Apresenta-se
em planalto, com altitudes entre 400 - 700 m, enquadrado por um conjunto de
sistemas montanhosos, limitado a norte pelas serras de Leomil, Montemuro e
Lapa, a noroeste pela serra da Arada, a sul e sudoeste pelas serras da Estrela
e Lousã, e a oeste pela serra do Caramulo. São anfiteatros naturais deste
quilate que permitem a criação de microclimas que tornam possível perscrutar
árias inauditas.
Na
diversidade dos cenários existentes neste território, que incluem Dão, Lafões e
Alto Paiva, há uma identidade comum que define o carácter da Beira Alta, a
presença constante dos povoamentos florestais com prevalência das cores verdes que
durante todo o ano inundam as serras e as manchas agrícolas em mosaico de
pequenas parcelas, onde se cultiva a vinha, o milho, os cereais de sequeiro, as
árvores de fruto, as oliveiras e os mimos das hortas. Apesar destes traços
comuns, não deixa de ser uma paisagem de contrastes entre os elevados e sólidos
blocos rochosos a que correspondem as serranias com cumes mais áridos e as
zonas mais baixas de encostas e vales agrícolas onde o clima é mais ameno e a
terra fértil e húmida. A conservação do uso agrícola permite manter uma
paisagem produtiva, aberta e equilibrada, cujo futuro dependerá das estratégias
que forem seguidas para deter o abandono progressivo das terras e aldeias e a
correspondente simplificação da paisagem, nomeadamente através de uma
florestação maciça, com o risco acrescido na gestão dos incêndios que deflagram
insistentemente e a espaços descontroladamente por estas regiões.
Nos vales,
sistematicamente aproveitados para a produção agrícola e para o pastoreio de
algum gado, as linhas de água são bordejadas em “passe-partout” por densas e
frondosas galerias ripícolas compostas por amieiros, freixos e salgueiros. Estas
espécies são matéria-prima para artesãos que moldam as suas madeiras, leves e
resistentes, e forjam uma cestaria com recurso exclusivo a uma manualidade e
criatividade empiricamente sabedoras. Os sabugueiros, cujas flores ornam de
brancura e aroma as linhas de água, abrem perspetivas interessantes para a
utilização na gastronomia regional, que já vimos ensaiando há algum tempo.
Surgem ainda nas encostas manchas de mata que se insinuam entre as áreas
agrícolas e que contribuem para a diversidade do mosaico que caracteriza esta
paisagem, definindo zonas tampão, com um papel funcional de extrema importância
no ordenamento e controlo de pragas e doenças fitossanitárias. Assim, os usos
estão em geral bem-adaptados aos recursos presentes e a sua equilibrada
diversidade indica uma efetiva sustentabilidade e capacidade multifuncional da
paisagem. Nesta vasta unidade de paisagem encontramos uma subunidade,
correspondente a uma parte do vale do Dão, onde se destaca a vinha, embora
sempre rodeada de povoamentos florestais. Trata-se fundamentalmente de um
planalto, com altitudes compreendidas entre 200 - 600 metros, com pendente no
sentido sudoeste, constituído por uma sequência de colinas e rasgado pelos
vales do Dão, Mondego e Alva. Existe no presente uma preocupação crescente com
a preservação dos povoamentos florestais de pinhal através de um planeamento
estratégico de uma rede de proteção e salvaguarda concebido pelos serviços
técnicos competentes do ICNF. No concelho existiu ainda uma capacidade
instalada de viveiros florestais de que, lamentavelmente, abdicamos com as
limitações que daí advêm na falta de autonomia em podermos definir a
biodiversidade e os recursos genéticos florestais que melhor se adaptam a um
plano de ordenamento e plantação estratégica e funcionalmente indicado para o
território.
Figura – Paisagem que a vista alcança sobre o concelho de Viseu desde o seu ponto mais elevado (Miradouro do Alto de S. Salvador, Cota).
Na sedimentação
de camadas de informação que se traduzem na
composição da paisagem, a matriz geológica desempenha um papel de relevo na
disposição dos recursos. Na sua extensa maioria é composta por granitos que se assumem como rocha-mãe dominante, coroados por
caos de blocos e pela dureza brilhante dos filões quartzíticos, cuja ação
erosiva do tempo foi responsável pela formação dos relevos angulares que
encimam algumas povoações com origem pré-romana. Os aglomerados mais atuais
preferem a base dos outeiros atraídos pela fertilidade da torrente erosiva das
águas. O processo de meteorização promove o negror dos solos desfeitos pela
erosão do granito, afinados pelo biochar da giesta, da urze e da
carqueja e o tempero dos currais, como diria o mestre Aquilino Ribeiro,
conferem uma mineralidade característica, bem identificada em alguns dos
primores agrícolas e gastronómicos do território, que se acende e resplandece
na antecâmara do palato.
O padrão
de uso do solo acompanha o deambular do relevo onde as cumeadas e as encostas
mais declivosas com solos esqueléticos e afloramentos rochosos frequentes estão
cobertas por matos, sobretudo de pinheiro bravo e eucalipto. Nas zonas mais
planas e bonançosas a ocupação é predominantemente agrícola. O vale do Dão é,
no geral, aberto com trechos cujas vertentes se debruçam em declive acentuado
sobre o rio, e a agricultura, que se faz por gente heroica, é amenizada pelo
som refrescante do correr da água. A densidade populacional é relativamente
alta, apesar do predomínio das áreas florestais. Mesmo no interior das grandes
manchas florestais surgem pequenos aglomerados com a orla envolvente de
culturas agrícolas e pastagens. Estas clareiras, apesar de já terem sido muito
mais significativas, constituem ainda um fator determinante na diversificação
de uma paisagem, com uma vocação de sobrevivência e proteção de um estoicismo
assinalável.
Os rios nesta
geografia, à semelhança de um padrão de nervuras numa qualquer folha,
assumem-se como outro dos elementos de vital importância para definir padrões
de vida que se ajustam ao relevo e definem fertilidade num sistema confluente onde
tudo desagua, denominado por bacia hidrográfica. Deste modo, assumem-se como um
local privilegiado para auscultar e monitorizar a qualidade da paisagem, de que
são exemplo o processo erosivo, agravado pelos incêndios, e os níveis de
poluição que se traduzem na perda de qualidade da água e na limitação da
biodiversidade. O concelho de Viseu é preenchido por duas bacias hidrográficas,
a do Vouga a norte e a do Mondego a sul, sendo o rio Vouga e o rio Dão aqueles
que definem os limites geográficos do concelho a norte e a sul, respetivamente.
Existe ainda o rio Pavia que flui de modo tímido e constrangido pela polis,
e onde raramente resplandece com o destaque que seria desejável.
O rio Dão
parece ser um rio esquecido pela região, apenas lembrado pela designação que
atribui à Região Demarcada Vitivinícola ou em situação de emergência, quando
percebemos a sua sede sempre que se esvai pelas incidências do clima. Este é,
naturalmente, um recurso de vital importância para a cidade e para a região que
precisa ser reconhecido e potenciado por todo um conjunto de valências e
sinergias. Estas não se enquadram apenas na conservação da biodiversidade e
defesa dos valores ecológicos e de habitat de referência, mas pretendem criar e
desenvolver projetos e dinâmicas, partilhados por instituições, associações e entidades
que voltem a dar cor ao rio Dão cujo valor trespassa fronteiras concelhias.
Este
concelho é ainda percorrido em profundidade por uma rede de águas termais, com
um potencial assinalável que pode ajudar a gerar algumas sinergias no
território, no âmbito da promoção da saúde e bem-estar, intimamente associada
com as áreas da nutrição e gastronomia.
Figura – Cultura da vinha espelhada no rio
Dão, um elemento raro que importa preservar e valorizar.
O concelho
de Viseu, situado numa zona de transição, apresenta um conjunto de microclimas
de vital importância para a criação e estabelecimento do mosaico
agro-silvo-pastoril que o compõe. A serra do Caramulo, localizada a oeste,
assume um papel de relevo em termos climáticos, ao atenuar as influências das
massas de ar de oeste que podem advir pelo perfil da bacia do rio Mondego.
Assim, o clima de Viseu caracteriza-se pela existência de elevadas amplitudes
térmicas, com invernos rigorosos e húmidos e verões quentes e secos. Há
características que se evidenciam em séries climáticas, às quais a agricultura
e a própria sociedade se tem vindo a adaptar, onde incluímos as chuvas trovejadas
de final de verão que desempenham um papel de enorme importância no culminar da
maturação de certos ciclos produtivos ou nas instabilidades do mês de maio
traduzidas em nevoeiros matinais e aguaceiros de trovoadas que por vezes
precipitam o ano agrícola.
O concelho
de Viseu limita a Norte a região Demarcada dos vinhos do Dão, sendo igualmente o
concelho limite da região de Denominação de Origem da Maçã Bravo de Esmolfe e
na sua vertente sul as freguesias de Fragosela, Povolide, São João de Lourosa e
Loureiro de Silgueiros fazem-se incluir na região de Denominação de Origem
Protegida do Queijo Serra da Estrela.
Figura – Os recursos genéticos animais e florísticos das pastagens que definem um cenário e determinam um ex-libris de excelência.
Nas avelãs,
cuja cultura foi incentivada em tempos não muito distantes, existe uma
variedade apelidada por “Grada de Viseu”. Hoje sabe-se, de modo cientificamente
comprovado, que a “Grada de Viseu” é a “Fértil” Italiana. Que importa? Nada!
Apenas que se adaptou tão bem aos nossos territórios e às nossas gentes que
fazem dela uma grande avelã em qualquer lugar do mundo. Neste particular, a
Estação Agrária de Viseu tem desenvolvido um trabalho notável de conservação e
caracterização dos recursos genéticos das mais variadas iguarias agrícolas na
quais as maçãs regionais, as avelãs, as castanhas e os frutos vermelhos são
apenas parte do repositório. A fruticultura é um dos exemplos de relevo da
região, com a criação de uma coleção de recursos genéticos de referência
nacional, muito por força do labor e capacidade de uma equipa de técnicos e a
quem têm de ser dadas condições para continuarem um trabalho começado,
persistente, mas ainda não culminado. Apesar dos muitos estudos já realizados,
ainda precisamos saber mais sobre as virtudes de todas estas “nossas”
variedades, quer na área da nutracêutica, quer nas aplicações da saúde, bem
como na avaliação da influência das alterações climáticas na produção e na
qualidade dos seus frutos.
O Queijo
Serra da Estrela, que se apresenta de corpo e alma como uma das nossas melhores
referências gastronómicas, muito em particular nas épocas festivas que juntam
as famílias na partilha de memórias, afetos, sentimentos e sabores, é um
daqueles casos paradigmáticos de um recurso endógeno sempre adiado na
capacidade de conquista do mundo. Apenas vos digo, afortunados aqueles que têm
a possibilidade de vir à região escolher “o creme de la creme” no que a este
ícone se refere, bem como do seu primo requeijão Serra da Estrela pincelado por
doce de abóbora com nozes.
A cidade
de Viseu teve o privilégio de ser pioneira no ensino agrícola em Portugal
através da criação da Escola Prática de Agricultura de Viseu em 1852. A Escola
Superior Agrária, do Instituto Politécnico de Viseu, surge como herdeira desse testemunho,
mas precisa afirmar-se, de forma mais perentória, interagindo de modo mais
efetivo com este território, diretamente com as empresas, municípios e
associações de desenvolvimento rural, para que todos possam tirar partido na
disseminação do conhecimento em prol da promoção e valorização dos territórios.
Este território de eleição já merecia, pelo empenho técnico-científico de
muitos, um grande centro de investigação que congregasse várias instituições
públicas e privadas, vocacionado para os grandes pilares estratégicos dos
sectores agrícola, florestal, alimentar, pecuário, nutricional, da promoção da
saúde e bem-estar. Seria um verdadeiro exemplo pioneiro no País, numa região com
o peso da tradição e o potencial de augúrio no futuro da agricultura e
gastronomia.
A cidade
de Viseu, apelidada com o epíteto de “cidade jardim”, apresenta um conjunto de
espaços verdes de grande beleza e qualidade que, para além da função estética,
desempenham um papel inestimável na preservação e valorização ambiental e
ecológica do espaço urbano e concomitantemente na qualidade de vida das pessoas.
No momento em que escrevo estas linhas o perfume das tílias espraia-se por
entre a silhueta dos ramos e a sombra densa e simétrica das copas, cujo
prateado se reflete no final da tarde quando as flores pendem e as suas folhas
se retorcem.
Figura – As hortas são elementos arquitetados por jardineiros experimentados que combinam cores e matizes numa harmonia estética e funcional.
Uma
“cidade jardim” faz-se de jardineiros, cujas hortas-jardim se assumem como o
melhor testemunho da qualidade e mestria dos seus criadores. Combinam a
disposição das espécies num mosaico de cores e matizes, que apelam à harmonia
estética e funcional de todos os elementos, promovendo equilíbrio e
sustentabilidade numa azulejaria viva, de design original, pincelada por uma
flora e preservada por uma fauna auxiliar. A valorização dos recursos agrícolas
autóctones e das práticas agrícolas ancestrais, especialmente no universo das
hortícolas, é um património que deverá ser preservado procurando manter-se para
memória futura. Esta identidade ajudará os pequenos produtores, que servem de
base a uma agricultura familiar, a terem nichos de mercado baseados na ativação
dos neurónios relacionados com o prazer dos sabores, das fragâncias, da
convivialidade e dos saberes a todos aqueles que tiverem o privilégio de poder
usufruir dos seus recursos.
Viseu, reconhecidamente
um local de gastronomia de excelência, intitulada a “melhor cidade para Viver”,
foi a primeira cidade portuguesa a ser objeto de um estudo de geografia urbana
num trabalho meritório de Amorim Girão (1925). Um outro geógrafo de destaque, Orlando
Ribeiro, em 1968 debruçou-se sobre Viseu, descrevendo a rua Direita, como sendo
“porventura, a que melhor conserva, ao mesmo tempo, a fisionomia e as funções
tradicionais que continua a desempenhar no contexto moderno da velha cidade”. Quero
assim aproveitar o ensejo para prestar uma homenagem a um dos nossos maiores
geógrafos, Orlando Ribeiro (1911-1997), referindo que, pela sua formação,
conhecimento e pelas suas raízes seria o autor de eleição para fazer uma
caracterização do território, dos recursos e das gentes de Viseu.
Há ainda
um outro recurso que está diretamente ligado à mesa beirã que são as toalhas de
linho, em cujo concelho existe um museu dedicado ao seu cultivo, produção e
transformação, enaltecendo a arte e o labor de uma tradição que com a sua
candura e simplicidade, embelezam e dão destaque aos mais diversos sabores do
território.
A cidade
de Viseu, não por acaso, é hoje estrategicamente um ponto de paragem
obrigatória para quem percorre a E.N. 2. Este é um epíteto ao qual nos devemos associar
pela essência do conceito na procura dos sabores autênticos e das tradições Portuguesas. Aliar a história imemorial destes
territórios a todos os cenários de paisagens naturais, ao património
arqueológico, e aos recursos endógenos
aprimorados pela criação humana, permitem criar “historytellings” que nunca
acabam, com a identidade exclusiva de um território talhado e aprimorado por
estas gentes. O desafio maior é transportar para a gastronomia todos os aromas
e sabores destas paisagens para que aqueles que nos visitem possam levar na
memória os saberes e os cenários onde são criados.
Temos em
Viseu diversas estruturas do setor agroalimentar que funcionam como “ourivesarias”
do mundo rural na forma como enaltecem e valorizam os recursos agrícolas deste
território e que têm ajudado a que a agricultura possa estar hoje, de uma forma
naturalmente justa, em voga. Por isso, privilegiemos o consumo em “Km zero”,
transmitindo um sentimento de confiança e reconhecimento pelo mérito dos nossos
agricultores, acompanhando as tendências mais recentes das sociedades modernas.
Os menus
de degustação, a par do extenso portefólio de recursos genéticos deste
território, fizeram surgir sob o olhar nevado da serra, uma nova estrela, o
chef Diogo Rocha. Em 2019, no qual se celebrizou o ano da gastronomia em Viseu,
foi reconhecido como a estrela Michelin mais recente e a primeira da região ao
qual todos desejamos que outros se venham juntar. Ambicionamos que esta seja
uma região que acompanhe as tendências de futuro, também na gastronomia e no
turismo, para distribuir retorno económico a toda esta fileira que começa no
árduo e persistente trabalho agrícola, trespassa a inspiração dos sabores das
nossas avós, preocupa-se com a atualidade do papel nutracêutico do alimento na
preservação da saúde e bem-estar e culmina na arte de transpor os sabores da
paisagem para a cozinha.
Bem-haja a
todos aqueles que têm contribuído para a identidade e valorização deste
território.
Paulo Barracosa
domingo, 19 de maio de 2024
Celorico da Beira, Capital do Cardo no Centro...CCC
No dia dos Museus fomos ao Museu do Agricultor falar sobre o potencial de cardo para o território de Celorico da Beira onde lançámos o desafio de candidatar Celorico da Beira a Capital do Cardo na Região Centro fruto de um campo de 4 ha do Sr. Edmundo e do Sr. António, seu Pai que curiosamente, vivem na Guarda mas trabalham em Celorico o que ainda tem mais valor. Estes agricultores mostram, desde 2015 a um território que se pode apostar numa cultura que não sendo fácil tem todo um potencial, ainda mais porque é em Celorico que está sediada a Estrelacoop e que deve ser a primeira a valorizar o território Serra da Estrela DOP. Vamos ver se o repto tem eco no Municipio de Celorico da Beira. Aproveitei o ensejo para oferecer um livro ao Edmundo, um daqueles que mais tem contribuído para o sucesso do cardo no Centro. Plantámos cardos 3M que são os mesmos que estamos a usar em projeto científicos no teste de avaliação do cardo às alterações climáticas.
quinta-feira, 9 de maio de 2024
A Arte de Domesticar o Silvestre e Olhar o Mutante
Sinopse - Atravessar a Paisagem II
Atravessamos
novamente a paisagem e mantemos o intuito, relacionar e
interligar
diferentes práticas artísticas e científicas, tendo como principal foco a natureza
e a forma como nos relacionarmos com ela. Nesta edição a figura
humana invade o espaço e este corpo ocupa,
reflete e sente. É precursor das
performances
e crucial na escultura em cerâmica.
Os
registos visuais foram inspirados no conceito Plant Blindness, termo
cunhado
pelos botânicos James Wandersee e Elisabeth Schussler na
publicação
Preventing Plant Blindness (1999). A “cegueira das plantas” é a
propensão
humana de não ver as plantas, não as reconhecer, não as distinguir,
e
de não entender a sua importância na biosfera e nos assuntos humanos. Ao
realizarmos
pequenos exercícios de camuflagem e intervenções efémeras nos
espaços
públicos, urbanos e verdes, debruçamo-nos sobre este tema.
Na
exposição, a mulher camuflada encontra a Mulher Silvestre, inspirada no
mito
do Homem Selvagem, uma figura fabulosa do imaginário medieval,
complexo
e por vezes contraditório, é aqui apresentada como um escape, uma
fuga
para regressar à natura. Um ser sedutor e livre, que vive em estreita
harmonia
com a natureza, capaz de suscitar curiosidade, admiração e respeito.
Nos
registos realizados, a mulher camuflada por vezes destaca-se e outras
vezes
integra-se e dissolve-se misteriosamente na paisagem. Por outro lado, a
mulher
silvestre evoca o imaginário medieval e selvagem, muitas vezes
associada
a narrativas folclóricas e mitológicas. Ambas carregam uma aura de
mistério,
representam a harmonia entre o humano e o natural, ao mesmo
tempo
em que mantêm uma certa distância e inacessibilidade.
Nesta
publicação, Rui Macário apresenta um cruzamento de breves
narrativas
históricas com saberes populares. Um registo que retrata como as
relações
com as plantas se foram alterando ao longo dos tempos.
Paulo
Barracosa, na sua comunicação, apresenta uma variedade de formas
de
vida encontradas na paisagem, com destaque para o cardo (Cynara
cardunculus
L.)
espécie que, curiosamente, está associada às representações
do
Homem Selvagem durante a época medieval. Aqui, dá-se a conhecer ao
público
em geral as vocações e a multifuncionalidade do Cardo, aliam-se
testemunhos
empíricos ao conhecimento científico, traduzidos em ideias e
conceitos
que privilegiam a promoção da sustentabilidade e a bioeconomia
circular
de um território.
Apresentamos
assim a concretização do elo entre diferentes elementos
artísticos
e científicos, que almejamos poderem contribuir para uma nova
formulação
do mundo natural.