http://gazetarural.com/2017/09/15/gazeta-rural-n-o-301-15-setembro-2017/
Este verão, o País tem sido assolado por uma invulgar “onda”
de incêndios, com contornos dramaticamente trágicos, à qual não será alheio o
ciclo eleitoral autárquico que se avizinha. Esta sucessão de eventos requer uma
investigação urgente e séria, centrada na questão do fogo e do ordenamento
florestal, mas que envolva matérias de índole social, cultural e económica numa
multidisciplinaridade transversal que ajude a encontrar razões que expliquem aquilo
que nos querem fazer crer como um fatalismo. Somos caso único, na europa e no
mundo, e porventura não seremos o território mais afetado pelas alterações
climáticas que já se fazem sentir de um modo evidente. O estado, através do
poder central e local, tem abdicado de investir em cursos de âmbito florestal e
de incentivar os Institutos Politécnicos a fazerem essa aposta. Por outro lado,
os Institutos deviam usar os seus recursos técnico-científicos e o know-how, humanos e materiais, para
estudarem este drama, porque ninguém conhece melhor este território que aqueles
que vivem e sofrem este pesadelo in loco
e na pele. Fala-se agora, com uma tónica mais vincada e explícita de
incendiários e fogo posto, com o concomitante aumento de detenções e prisões
preventivas. Urge estudar estas sociedades do interior, enquanto as há, e identificar
a quem convém e quem beneficia com estas tragédias, pois há sempre duas faces
de uma mesma moeda. Enquanto muitos perdem poucos ganham. Ou então somos todos
aqui no interior, dito profundo, “tolos e atolambados”, enquanto os
inteligentes e espertos estão todos “à beira-mar plantados”! Curioso era o
argumento das “trovoadas secas” que cedo se percebeu que era um “alibi” para
nos distraírem e para ver se colava a tese do inevitável, quando as razões
deste caos são bem mais profundas, claramente evitáveis, não vêm de “ontem”,
mas têm que ser resolvidas “amanhã”.
Não bastando as árvores queimadas que matam gente válida, que
raio de País é este no qual as árvores também caem e matam gente crente! A
preservação do património arbóreo em ambiente urbano, a avaliação
fitossanitária e biomecânica e a salvaguarda da segurança de pessoas e bens é
uma das áreas científicas à qual, nas últimas duas décadas, tenho dedicado
atenção. Em colaboração com colegas e alunos da ESAV temos vindo a realizar
trabalhos no centro e norte do País, em cidades, parques e matas emblemáticas, mas
com particular ênfase na cidade de Viseu. Não deixa de ser curioso, como alguns
poderes políticos autárquicos, estão a reagir a esta nova realidade, parecendo
não saberem adequar a atuação e regirem com a “cabeça quente”.
Eu sou testemunha que poucas autarquias em Portugal estarão a
revelar a aposta e o cuidado com o património arbóreo como o caso do Município
de Viseu. Contudo, nada do que tem sido realizado foi publicitado como um
modelo de boas práticas, sendo que esta atuação não é compreensível num
Município que sabe gerir de forma quase irrepreensível, pelo menos em algumas
das suas áreas de atuação, a sua imagem e marketing. Há um protocolo em curso para
o estudo e valorização do património arbóreo da cidade de Viseu que envolve as
instituições Quercus, UTAD e ESAV/IPV/ADIV. Nós como estamos por cá, quase
todos os dias temos que estar em estado de prontidão e não regateamos esforços
para dar resposta às solicitações do Município, sejam pinheiros, carvalhos,
palmeiras, castanheiros-da-india, tílias, freixos, cedros, entre tantas outras
espécies. Este mês, após a queda de um carvalho-alvarinho no Funchal saiu, numa
publicação semanal de referência nacional, uma coluna sobre o que estão a fazer
os municípios para prevenirem eventos desta natureza. Referia-se que vários
municípios estavam a fazer “trabalho de casa” e estranhamente de Viseu nem uma
palavra. Bastaria um exemplo para mostrar o que Viseu faz que mais ninguém faz.
Há alguns meses fomos solicitados para darmos um parecer sobre a instalação das
condutas de gás e água na Avenida 25 de abril. Contra muitos, sugerimos que,
para salvaguarda das Tilias que emolduram o postal de uma das mais bonitas
entradas de Viseu, toda a instalação das infraestruturas deveria ser feita na
zona do estacionamento em detrimento da opção primeira que seria no passeio.
Foi uma das opções mais corretas que alguma vez defendi, porque tinha o exemplo
das Tílias na circunvalação junto à rotunda Paulo VI, que vêm sendo
substituídas, antes de caírem, por um erro clamoroso do passado aquando da
instalação subterrânea dos cabos de alta tensão. Obviamente que houve um
aumento no custo da obra, mas os benefícios justificaram largamente o
investimento. Todos sabemos quanto custa um poste de eletricidade com 15 m de
altura e 30 cm de diâmetro para colocar lâmpadas LED mas, comparativamente,
poucos sabem avaliar o custo e os benefícios de uma árvore com um porte similar.
Face a esta opção do Município, seria de esperar que tirassem os dividendos,
até políticos, desta atuação. Mas nada! Estariam seguramente distraídos com
alguma festa do vinho. A culpa não é do vinho! É da falta de quem puxe por
outras valências e recursos da urbe, ou por não ter acesso ao círculos do
poder, ou não ter poder nos seus círculos!
No trabalho realizado pela ESAV estão inventariadas na cidade
de Viseu mais de 12,000 exemplares arbóreos, num trabalho coordenado pelo meu
colega Professor Hélder Viana e que só tem paralelo com o que está a ser feito
na cidade de Nova Iorque. Temos apresentado ao Município de Viseu outros
projetos que seriam uma novidade no Mundo, mas infelizmente como ainda pensamos
pequeno e arriscamos pouco, preferimos copiar, o que já por aí se faz, a sermos
copiados como uma referência no Mundo. Assim, quando provarem os bombons de
freixo feitos pela Chocolateria Delicia apresentados na pousada do Freixo no
Porto, lembrem-se de Viseu. Primeiro temos que provar fora para depois sermos
reconhecidos cá dentro. “Ele há santos que não são da casa, nem fazem milagres
que apelem aos crentes que nos governam na corte celestial!”.
Este breve pensamento não pretende defender nem criticar a
atuação do Município, ainda para mais, no ciclo atual que vivemos, no qual
devemos ser discretos embora não possamos deixar de ser responsáveis. Contudo,
não quero acreditar que com todo o trabalho no qual o Município apostou e
investiu na preservação e valorização do património arbóreo da cidade de Viseu,
no âmbito do protocolo estabelecido, agora pareça estar a ter uma atuação de
resposta ao sucedido na Madeira, com a indicação de abate de 15 árvores no
Parque Aquilino Ribeiro. Na” altura do furacão”, e quando estavam bem longe de
serem atingidos, foram-se colocar exatamente no “olho do furacão” com o
argumento de abaterem umas árvores, sendo que a indicação de abate de algumas
vinha já do tempo do outro senhor. Há sempre um “período de nojo” que devemos
respeitar pela memória dos outros e para nossa própria defesa!
Paulo Barracosa
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