sexta-feira, 15 de setembro de 2017

“As árvores também caem tal como os poderes,…pelos podres”

http://gazetarural.com/2017/09/15/gazeta-rural-n-o-301-15-setembro-2017/

Este verão, o País tem sido assolado por uma invulgar “onda” de incêndios, com contornos dramaticamente trágicos, à qual não será alheio o ciclo eleitoral autárquico que se avizinha. Esta sucessão de eventos requer uma investigação urgente e séria, centrada na questão do fogo e do ordenamento florestal, mas que envolva matérias de índole social, cultural e económica numa multidisciplinaridade transversal que ajude a encontrar razões que expliquem aquilo que nos querem fazer crer como um fatalismo. Somos caso único, na europa e no mundo, e porventura não seremos o território mais afetado pelas alterações climáticas que já se fazem sentir de um modo evidente. O estado, através do poder central e local, tem abdicado de investir em cursos de âmbito florestal e de incentivar os Institutos Politécnicos a fazerem essa aposta. Por outro lado, os Institutos deviam usar os seus recursos técnico-científicos e o know-how, humanos e materiais, para estudarem este drama, porque ninguém conhece melhor este território que aqueles que vivem e sofrem este pesadelo in loco e na pele. Fala-se agora, com uma tónica mais vincada e explícita de incendiários e fogo posto, com o concomitante aumento de detenções e prisões preventivas. Urge estudar estas sociedades do interior, enquanto as há, e identificar a quem convém e quem beneficia com estas tragédias, pois há sempre duas faces de uma mesma moeda. Enquanto muitos perdem poucos ganham. Ou então somos todos aqui no interior, dito profundo, “tolos e atolambados”, enquanto os inteligentes e espertos estão todos “à beira-mar plantados”! Curioso era o argumento das “trovoadas secas” que cedo se percebeu que era um “alibi” para nos distraírem e para ver se colava a tese do inevitável, quando as razões deste caos são bem mais profundas, claramente evitáveis, não vêm de “ontem”, mas têm que ser resolvidas “amanhã”.
Não bastando as árvores queimadas que matam gente válida, que raio de País é este no qual as árvores também caem e matam gente crente! A preservação do património arbóreo em ambiente urbano, a avaliação fitossanitária e biomecânica e a salvaguarda da segurança de pessoas e bens é uma das áreas científicas à qual, nas últimas duas décadas, tenho dedicado atenção. Em colaboração com colegas e alunos da ESAV temos vindo a realizar trabalhos no centro e norte do País, em cidades, parques e matas emblemáticas, mas com particular ênfase na cidade de Viseu. Não deixa de ser curioso, como alguns poderes políticos autárquicos, estão a reagir a esta nova realidade, parecendo não saberem adequar a atuação e regirem com a “cabeça quente”.
Eu sou testemunha que poucas autarquias em Portugal estarão a revelar a aposta e o cuidado com o património arbóreo como o caso do Município de Viseu. Contudo, nada do que tem sido realizado foi publicitado como um modelo de boas práticas, sendo que esta atuação não é compreensível num Município que sabe gerir de forma quase irrepreensível, pelo menos em algumas das suas áreas de atuação, a sua imagem e marketing. Há um protocolo em curso para o estudo e valorização do património arbóreo da cidade de Viseu que envolve as instituições Quercus, UTAD e ESAV/IPV/ADIV. Nós como estamos por cá, quase todos os dias temos que estar em estado de prontidão e não regateamos esforços para dar resposta às solicitações do Município, sejam pinheiros, carvalhos, palmeiras, castanheiros-da-india, tílias, freixos, cedros, entre tantas outras espécies. Este mês, após a queda de um carvalho-alvarinho no Funchal saiu, numa publicação semanal de referência nacional, uma coluna sobre o que estão a fazer os municípios para prevenirem eventos desta natureza. Referia-se que vários municípios estavam a fazer “trabalho de casa” e estranhamente de Viseu nem uma palavra. Bastaria um exemplo para mostrar o que Viseu faz que mais ninguém faz. Há alguns meses fomos solicitados para darmos um parecer sobre a instalação das condutas de gás e água na Avenida 25 de abril. Contra muitos, sugerimos que, para salvaguarda das Tilias que emolduram o postal de uma das mais bonitas entradas de Viseu, toda a instalação das infraestruturas deveria ser feita na zona do estacionamento em detrimento da opção primeira que seria no passeio. Foi uma das opções mais corretas que alguma vez defendi, porque tinha o exemplo das Tílias na circunvalação junto à rotunda Paulo VI, que vêm sendo substituídas, antes de caírem, por um erro clamoroso do passado aquando da instalação subterrânea dos cabos de alta tensão. Obviamente que houve um aumento no custo da obra, mas os benefícios justificaram largamente o investimento. Todos sabemos quanto custa um poste de eletricidade com 15 m de altura e 30 cm de diâmetro para colocar lâmpadas LED mas, comparativamente, poucos sabem avaliar o custo e os benefícios de uma árvore com um porte similar. Face a esta opção do Município, seria de esperar que tirassem os dividendos, até políticos, desta atuação. Mas nada! Estariam seguramente distraídos com alguma festa do vinho. A culpa não é do vinho! É da falta de quem puxe por outras valências e recursos da urbe, ou por não ter acesso ao círculos do poder, ou não ter poder nos seus círculos!
No trabalho realizado pela ESAV estão inventariadas na cidade de Viseu mais de 12,000 exemplares arbóreos, num trabalho coordenado pelo meu colega Professor Hélder Viana e que só tem paralelo com o que está a ser feito na cidade de Nova Iorque. Temos apresentado ao Município de Viseu outros projetos que seriam uma novidade no Mundo, mas infelizmente como ainda pensamos pequeno e arriscamos pouco, preferimos copiar, o que já por aí se faz, a sermos copiados como uma referência no Mundo. Assim, quando provarem os bombons de freixo feitos pela Chocolateria Delicia apresentados na pousada do Freixo no Porto, lembrem-se de Viseu. Primeiro temos que provar fora para depois sermos reconhecidos cá dentro. “Ele há santos que não são da casa, nem fazem milagres que apelem aos crentes que nos governam na corte celestial!”.
Este breve pensamento não pretende defender nem criticar a atuação do Município, ainda para mais, no ciclo atual que vivemos, no qual devemos ser discretos embora não possamos deixar de ser responsáveis. Contudo, não quero acreditar que com todo o trabalho no qual o Município apostou e investiu na preservação e valorização do património arbóreo da cidade de Viseu, no âmbito do protocolo estabelecido, agora pareça estar a ter uma atuação de resposta ao sucedido na Madeira, com a indicação de abate de 15 árvores no Parque Aquilino Ribeiro. Na” altura do furacão”, e quando estavam bem longe de serem atingidos, foram-se colocar exatamente no “olho do furacão” com o argumento de abaterem umas árvores, sendo que a indicação de abate de algumas vinha já do tempo do outro senhor. Há sempre um “período de nojo” que devemos respeitar pela memória dos outros e para nossa própria defesa!

Paulo Barracosa

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