domingo, 15 de janeiro de 2017

Viseu, um distrito de eleição para visitar daqui em diante...




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Este título parecendo aludir à cena política a que se irá assistir no presente ano, pretende, na verdade, apelar à estratégia "política" dos recursos genéticos, humanos, culturais e imateriais do tal território de que tanto falo e que tenho prazer em poder contribuir para a sua valorização.
Viseu será a cidade oficial do Turismo da Região Centro para visitar em 2017 e terá um lugar de destaque na Bolsa de Turismo de Lisboa no corrente ano. Na verdade, a cidade de Viseu é uma excelente montra para todo este território, onde deveriam ser realizados eventos que, devidamente programados no tempo para não se sobreporem sobre outros da região, ajudassem a promover o território no seu todo e se afirmasse assim de forma natural como cidade região, em sinergia e complementaridade com essa mesma região.
Um evento dedicado ao Queijo Serra da Estrela em Maio com as ovelhas a circularem na “passadeira vermelha” da cidade e uma feira onde o queijo, os pastores e as queijeiras eram os verdadeiros “artistas” e um “Apple day” para divulgação e promoção das variedades regionais de maçã da região seriam seguramente dois excelentes exemplos. Assim, a cidade de Viseu, acredito, ganhava respeito pelos outros municípios seus pares, ajudando a redistribuir riqueza e promovendo os produtos que lá são produzidos, só que com uma outra visibilidade.
O distrito de Viseu, com os seus 5 mil km², é um dos raros exemplos no mundo onde, fruto de uma combinação harmoniosa de factores naturais e condições humanas, conseguimos ao longo de gerações, através de laboriosos e engenhosos processos de domesticação feito por agricultores e pastores, entre os quais se incluiu Viriato, congregar um naipe de excelência ao nível dos recursos genéticos vegetais e animais nas mais diversas áreas de produção agrícola, florestal e animal.
Como expoentes da produção agrícola temos a viticultura, a fruticultura, as ervas aromáticas e a horticultura em sua larga medida em modo de produção biológica e outra que ainda está por lançar, a produção natural. Na produção animal temos a ovelha Serra da Estrela, o cabrito da Gralheira, a vitela Dão Lafões, a paivota do Alto Paiva e onde fazendo alguns atropelos à taxonomia, mas sem ficar a dever à excelência, ainda podemos fazer incluir a truta do Paiva.
Na área florestal temos o pinheiro bravo, o castanho e a castanha, a bolota e o carvalho, os cogumelos silvestres, o mel e a geleia real, entre muitos outros recursos. Mais recentemente surgiram os apelidados frutos vermelhos que, noutras latitudes consideradas frutas dos bosques, revelam uma variação de tons que apelam à riqueza de antioxidantes, compostos tão requisitados na nutrição moderna prevenindo fenómenos de oxidação e privilegiando o anti-envelhecimento e o combate a agentes mutagénicos.
Temos ainda muitos recursos que irão surgir completamente de novo na região, muito por força das alterações climáticas mas também pela capacidade de inovação e engenho dos nossos produtores e outros ainda que iremos recuperar da galeria doirada do reservatório genético destas paisagens, entre os quais o mostajo e as pútegas são apenas exemplos.
Estes recursos, como matéria-prima e ingredientes, serviram como mote para que se tenham estabelecido nesta mesma região com uma dinâmica e saber ímpares, métodos e processamentos da área da tecnologia alimentar que são parte integrante da cultura e identidade de um povo e que se assumem como fileiras estruturantes de toda uma região. São exemplos o vinho, que se expressa de modo identitário e diferenciado em regiões demarcadas diversas como o Dão, Távora-Varosa, Douro e Lafões, a par de queijos como o Serra da Estrela e o da Lapa. Mas há muitas mais que normalmente não damos o devido valor e estou-me a lembrar apenas do pão de Sangemil ou da sêmea e a boroa de Vildemoinhos.
Contudo, neste território de eleição não temos um grande centro de investigação, que congregue várias instituições, vocacionado para os grandes pilares estratégicos no sector agroalimentar e muito dificilmente o iremos ter nos próximos anos. Talvez porque temos um sector privado produtivo muito prolífico que prescinde desta estratégia e que usou os fundos públicos para fins privados, nalguns casos com enorme sucesso.
Mas será isso a melhor estratégia para a região? E o sector científico terá na verdade procurado junto do sector produtivo dar resposta às questões de hoje, mas acima de tudo às do amanhã, através de delineamento de uma estratégia de aplicação e inovação em recursos e produtos que temos obrigação moral mas também económica de o fazer.
Todos referem o sucesso do sector do calçado, mas o do vinho não deixa de ser menos brilhante, onde o exemplo da cooperativa de Távora-Varosa, com o seu espumante Terras do Demo, é um dos seus mais recentes expoentes. Mas sempre na busca de uma maior qualidade e identidade no futuro acaba de lançar um novo espumante com base na casta Verdelho, mas que está no terreno há já alguns anos, começando agora a dar os seus frutos.
Esta é uma das questões determinantes no sucesso da agricultura, que é a necessidade de planearmos estrategicamente com bastante antecedência, porque temos um contrato de preservação e sustentabilidade para com a natureza que todos temos que saber respeitar, mas que a área da agricultura é uma das primeiras que sofre quando não o cumprimos.
A fruticultura é um outro dos exemplos de relevo que a região tem vindo a criar, muito por força do trabalho notável de uma equipa de técnicos e a quem têm que ser dadas condições para continuarem um trabalho começado, persistente, mas ainda não culminado.
Precisamos de produzir material vegetal certificado, não apenas em termos genéticos, mas também fitossanitários para uma aposta mais veemente nas nossas variedades regionais. Apesar dos muitos estudos já realizados, ainda precisamos saber mais sobre as virtudes dessas mesmas variedades, quer na área da nutracêutica, quer nas aplicações da saúde, bem como na avaliação da influência das alterações climáticas na produção e na qualidade dos seus frutos. No que concerne ao Queijo Serra da Estrela, que se apresenta como uma das referências gastronómicas nas épocas festivas que muito recentemente juntaram as famílias na partilha de memórias, afectos, sentimentos e sabores, é um daqueles casos mais paradigmáticos de um recurso sempre adiado na capacidade de conquista do mundo. Apenas vos digo, afortunados aqueles que têm a possibilidade de vir à região escolher “o creme de la creme” no que a este ícone se refere.
Este último Natal teria sido uma excelente oportunidade para a confraria do Queijo Serra da Estrela levar ao seu confrade de Mérito, o actual Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, aquele produto que melhor representa o sentimento da “Estrela de Belém” e que com esta “luz de espírito” nos guiasse para o futuro almejado para a fileira do QSE.
A vastidão do território da região demarcada do QSE, outrora vagueada pelo rebanho do pastor Viriato, que deveria constituir-se como uma real mais valia, parece teimosamente assumir-se como um óbice para o alavancar de todo um sector em uníssono, com um potencial de crescimento ímpar.
Neste novo ano queremos acreditar que a Escola Superior Agrária de Viseu, como parte do sistema científico público, possa vir a estabelecer uma aposta clara com o tecido empresarial ligado à fileira do Queijo Serra da Estrela, em consequência do significativo número de candidaturas que lançou em co-promoção com outros centros de investigação da região, ao nível nacional e internacional.
Sendo este um produto de raiz tradicional que assenta na memória e saberes empíricos de uma região e das suas gentes, sem abdicar da sua identidade, deve lançar-se à conquista de mercados globais suportadas por serviços e tecnologias inovadoras, não apenas ao nível da produção, mas também das suas ferramentas que hoje se alicerçam em know-how científico de base muito alargada mas inteiramente sinérgico e complementar.
Lanço aqui o repto de candidatar o QSE a património cultural imaterial da humanidade e assumo-me como o seu primeiro subscritor, como uma forma de pressionar a Comissão Europeia para se manter a utilização da flor de cardo na sua laboração e as raízes culturais que foram provadas, por tanta humanidade e tão diversa na escala do tempo sem paralelo na geografia.
O projecto CARDOP tem vindo, desde 2010, a estabelecer parcerias com instituições de diversa índole, científica, cultural e social, para estudar e conhecer melhor a flor de cardo como ingrediente, reconhecendo desde o primeiro momento a necessidade de constituirmos campos de recursos de cardo para estudo, mas simultaneamente para produção de flor.
Este nosso percurso levou-nos a instalar cerca de uma dezena de campos e mais de 5000 plantas que permite hoje termos um conhecimento mais abalizado sobre esta espécie e produzir flor de cardo com uma qualidade irrepreensível que fornece algumas das queijarias de referências da região.
Um dos campos que mais nos orgulhamos neste projecto é o que se encontra no Estabelecimento Prisional do Campo, que foi estabelecido em 2013 como um campo experimental de cardo com a vocação de produção de flor e que é actualmente uma referência na região e no País.
Neste campo estão um conjunto seleccionado de recursos genéticos de cardo que representam não apenas um repositório, mas um potencial de futuro que irá assegurar a prossecução da utilização da flor de cardo como elemento diferenciador e exclusivo na produção do Queijo Serra da Estrela na região demarcada de Denominação de Origem Protegida.
Este conceito que foi criado originalmente com a visão estratégica do à data Director, Dr. Miguel Alves e o planeamento agrícola do Engº. Nuno Pestana, formado na ESAV, tendo sido possível concretizar pela vontade dos próprios reclusos, que têm colaborado de forma activa e inexcedível neste desígnio que é hoje levado a cabo por outros atores ao nível da coordenação e da execução pela mão do actual director, Dr. José Pedreira, e pelo coordenador agrícola, Sr. José Oliveira, mas com a mesma determinação e capacidade.
Como prova do trabalho realizado e forma de divulgação de todo este conceito, iremos realizar no final do mês de Janeiro uma acção pública para entrega de flores de cardo de qualidade inexcedível, que cumprem todas as questões relativas à qualidade do perfil bioquímico da suas cardosinas e às questões microbiológicas relativas à segurança alimentar, a queijarias do território Serra da Estrela que permitirá laborarem mais de 6000 queijos no presente alavão. Este é um momento em que se volta a falar do Queijo Serra da Estrela pelo aproximar da realização das diversas feiras por toda a região e que normalmente se traduz em muitas promessas políticas, a maioria das quais infelizmente acabam por não se concretizar. Aproveitamos o ensejo para convidar todos aqueles que se interessam pela temática do QSE a poderem assistir ao momento simbólico de entrega das flores aos produtores seleccionados à qual se seguirá uma prova de degustação de Queijos Serra da Estrela produzido com base em flores desenvolvidas a partir do projecto CARDOP que se realizará nas Instalações do Estabelecimento Prisional do Campo.


Paulo Barracosa

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