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O cardo é hoje uma planta que está
a ser estudada por várias instituições de ensino superior e centros de
investigação, de um modo complementar e sinérgico, nos mais diversos domínios
da valorização dos diferentes tipos de biomassa. Destacam-se os Institutos
Politécnicos de Viseu, Beja e Bragança, as Universidades de Coimbra, Aveiro, Porto
e Católica, centros de investigação como o CEBAL, BIOCANT, CATAA, INIAV, entre
outros. Para além de instituições científicas de referência, temos tido o
cuidado em incorporar empresas de vária índole, incluindo queijarias nas
diversas denominações de origem designadamente Serra da Estrela, Serpa, Castelo
Branco e Azeitão, e empresas líderes na valorização de biomassa
lenho-celulósica e de outras formas de biomassa. Temos ainda associada uma
importante componente social com a inclusão da APPACDM-Viseu e do
Estabelecimento prisional de Viseu como parceiros privilegiados deste projeto e
onde temos hoje instalados campos de cardo de referência.
O conhecimento sobre a
biodiversidade e extensão dos recursos genéticos, do cardo (Cynara
cardunculus L.), é de crucial importância para o sucesso da sua
conservação, melhoramento e consequente valorização nas mais variadas vertentes
desde a conservação e preservação ambiental e paisagística, valorização
agroalimentar, biocidas e proteção de plantas, farmacêutica, cosmética,
nutrição saúde e bem-estar. Pela diversidade taxonómica registada neste género
consideramos ser de extrema importância estimar, igualmente, a diversidade
bioquímica ao nível das proteases aspárticas (cardosinas), não apenas para esclarecimento
de eventuais questões de filogenia e das reais funções destas proteínas,
especialmente nas flores, mas igualmente como um potencial para futuros
desenvolvimentos biotecnológicos nas mais variadas indústrias com base nas
funcionalidades específicas deste grupo de enzimas.
Os conhecimentos da morfologia da
espécie, da anatomia e histologia são determinantes para a avaliação do seu potencial
de valorização. Contudo, a extensão da biodiversidade intraespecífica pode
ainda perspetivar uma oportunidade de seleção e melhoramento de acordo com a
multiplicidade de aplicações e vocações que se perspetiva que possa vir a desempenhar
num futuro próximo. A morfologia é igualmente fundamental porque, em conjunto
com a fisiologia da planta, determinam a arquitetura e a estratégia que esta estabelece
para enfrentar os mais variados tipos de stresse e consequentemente a
quantidade e a qualidade da produção das mais diversas matérias-primas, onde,
neste caso, a flor assume um papel crucial.
Conhecer a distribuição natural da
espécie em Portugal e no Mundo é de extrema importância para podermos
inventariar os locais de maior diversidade da espécie e caracterizá-la para
eventuais aplicações futuras com retorno de potencial económico para essas regiões
ou simplesmente para preservação da sua biodiversidade. No caso concreto do
cardo, em Portugal temos, para além da distribuição natural, uma
distribuição subespontânea ou cultivada em algumas regiões pela aplicação
privilegiada das suas flores na preparação de extratos para coagulação de leite
na produção de queijos DOP. O caso da região de Denominação de Origem do Queijo
Serra da Estrela, a par de outras, é um exemplo no qual acreditamos que o seu
cultivo deva ser intensificado, especialmente em terrenos com menor aptidão
agrícola pela rusticidade da espécie e de um modo sustentável, conferindo ainda
maiores especificidades e sustentabilidade às regiões de denominação de origem
protegida. Esse cultivo deve ser realizado com manutenção de alguma
biodiversidade e com base em material vegetal devidamente selecionado e caracterizado
sob ponto de vista de produção de biomassa, composição dos compostos bioativos e
qualidade bioquímica da flor. Como resultado da aplicação primordial da flor
devemos ter em conta na seleção do material vegetal características que, para
além do aspeto produtivo, facilitem o procedimento de colheita como a ausência
de espinhos e a arquitetura da planta adaptada a uma possibilidade futura de
mecanização, na qual temos vindo a trabalhar.
A espécie C. cardunculus
tem a particularidade de ter sofrido dois processos de domesticação com
objetivos distintos que conduziram ao estabelecimento da alcachofra (C.
cardunculus var. scolymus) mais vocacionada para a produção de
capítulos para serem consumidos em fresco e do cardo cultivado (C.
cardunculus var altilis) com o objetivo de produção de biomassa. Na
base destes processos de domesticação está o cardo silvestre (C. cardunculus
var. sylvestris) que se mantém, concomitantemente com as espécies
cultivadas, e que naturalmente tem sofrido a sua própria evolução. Apesar da
extensa utilização das flores de cardo como coalho vegetal, desde tempos
remotos, nunca foi desenvolvido até esta altura um qualquer processo de seleção
e melhoramento que tivesse como objetivo uma atenção especial em relação
produção de flor e respetivas características bioquímicas que se traduzam na
valorização no queijo.
Neste sentido, uma biodiversidade
morfológica baseada no cardo cultivado, cujos exemplares revelam uma aptidão particular
para a produção de capítulos e flores e uma arquitetura da planta que facilite
a recolha das flores deverá ser complementada com a caracterização bioquímica
das flores. Neste sentido, estamos a desenvolver uma terceira via de
domesticação cuja seleção envolva plantas com uma arquitetura que permita o
acesso direto facilitado aos capítulos, sem espinhos, com poucos caules e um
elevado número de inflorescências por caule, fruto de um elevado número de
ramificações que começam muito perto do nível do solo. O objetivo será
encontrarmos plantas com boas características morfológicas e perfis bioquímicos
distintos para podermos garantir a preservação desse material genético, através
de propagação vegetativa ou cultura in vitro e que proporcionem uma
rentabilidade interessante para a produção. A propagação via seminal
deve ser monitorizada para percebermos a forma como os perfis bioquímicos se
comportam nessa descendência e avaliarmos se há uns perfis mais constantes
comparativamente com outros.
Um outro aspeto de grande
relevância está relacionado com a manutenção dos perfis bioquímicos nos mesmos
genótipos ao longo do período de colheita, nos vários estádios de ontogenia da
flor e ao longo dos vários anos, garantindo uma padronização ao nível da flor e
consequentemente ao nível das qualidades do queijo no que ao agente coagulante
se refere.
O cardo, fruto da sua rusticidade
e capacidade de adaptação a climas secas e a solos pobres e pela tendência que
vimos assistindo nas alterações climáticas, assume-se como uma cultura
interessante para áreas secas e com elevados teores de salinização comuns na
orla mediterrânica. Nestas condições particulares trata-se de uma cultura para
obtenção de biomassa com uma aplicação extraordinariamente interessante e
valorizada na indústria de aglomerados, com características muito particulares,
mas que pode proporcionar outros recursos como compostos bioativos para a
indústria farmacêutica ou aquénios cujo óleo possui qualidade alimentar, ou ter
uma vocação de sustentabilidade energética e ambiental na produção de plásticos
biodegradáveis ou na indústria cosmética saboneteira. A raiz produz ainda a
inulina um composto polissacarídeo com uma vasta aplicação na indústria química
e alimentar.
Por questões culturais o cardo não
é uma cultura cujo consumo alimentar tenha uma expressão significativa em
Portugal, embora por via deste projeto desejamos promover essa vocação. Atualmente
existe um significativo número de cultivares de cardo e alcachofra com as mais
variadas características que respondem às tendências dos mercados e dos
consumidores para consumir os capítulos e pecíolos em fresco ou de forma
processada muito em busca da valorização nutricional e de compostos
nutracêuticos promotores de saúde. É nossa intenção procurar, no cardo,
estabelecer um compromisso que vise a valorização integrada e sinérgica de um
conjunto de fatores que aqui abordamos, devidamente adaptado à realidade de
cada região e com um acentuado pendor na criatividade, inovação e
sustentabilidade. Não foi com surpresa que assistimos ao uso pelo Eng. Carlos
Moedas do cardo no lançamento do programa europeu de inovação de bioeconomia, na
sede da Comunidade Europeia, como exemplo de potencial no futuro. Considero ser
esta uma oportunidade de ouro para juntarmos estas diversas vocações e saberes
extraordinariamente complementares e sinérgicas para constituirmos um grupo
ímpar e mostramos como é possível a partir de uma simples planta constituir uma
fileira que vai desde a produção agrícola, até à valorização das mais diversas
formas de biomassa. A extensa maioria dos projetos relacionados com o cardo,
têm-se centrado até hoje, por razões óbvias na flor. Julgo que é o momento de
unirmos esforços para conseguirmos a real valorização do todo sinérgico em
detrimento dos elementos isolados. Queria deixar um grande bem-haja e um agradecimento
público a todos aqueles que, nas mais variadas instituições, tem ajudado a
reconhecer o cardo como uma cultura adaptada aos desafios de futuro.